Em 1970 a Família Bensaude vendeu ao então Major António Figueiredo (Grupo ETE) a quase centenária Empresa Insulana de Navegação, a qual conheceu de imediato o período de maior expansão e crescimento de toda a história da companhia.
O Governo, que nunca autorizara a Insulana a diversificar actividades, concedeu logo direitos de tráfego relativos a 10 por cento das cargas nas linhas de África, apesar do desagrado dos armadores a que essas carreiras estavam atribuídas desde 1945, Colonial, Nacional e Sociedade Geral. De imediato, o velho paquete CARVALHO ARAÚJO trocou a linha dos Açores pela mais compensadora actividade de transporte de tropas e material de guerra, em regime de fretamento ao Ministério do Exército, passando a fazer viagens a Bissau. Seguiu-se em 1971 a abertura de uma linha regular Norte da Europa - Angola e no ano seguinte outra carreira para Moçambique.
Este crescimento implicou a aquisição de navios, e de facto, de 1971 a 1973 a frota da Insulana foi aumentada com 16 navios de carga e 5 unidades dos Carregadores Açoreanos, companhia entretanto comprada pela ETE e integrada na EIN por fusão.
Todos estes navios foram comprados em segunda mão no mercado de ocasião, excepto dois pares de gémeos, aquiridos na fase final de construção: ROÇADAS e SERPA PINTO, comprados à URSS, CARVALHO ARAÚJO e PEREIRA D'EÇA, obtidos no Brasil.
Na época registava-se uma aproximação política entre Portugal e o Brasil, vigorando regimes autoritários em ambos os países. Essa aproximação levou a diversas tentativas de cooperação económica, e nesse plano o Brasil cedeu a armadores portugueses diversos cargueiros em construção para companhias brasileiras, no âmbito de um plano de desenvolvimento da frota mercante brasileira. Os navios eram financiados pelo Estado brasileiro, à semelhança do que se fazia em Portugal com o Fundo de Renovação da Marinha Mercante.
Assim, em 1972 a INSULANA comprou o ITAQUERA, que estava a ser acabado no Rio de Janeiro para o Lloyd Brasileiro e se passou a chamar CARVALHO ARAUJO, e o JUNO, muito semelhante mas com diferenças de pormenor, que estava destinado à NETUMAR, e veio a ser o PEREIRA D'EÇA. Cargueiros rápidos com 20,5 nós de velocidade e 12.300 TDW, foram unidades úteis no reforço das ligações com África. Em 1974 passaram ambos para a então criada CTM - Companhia Portuguesa de Transportes Marítimos, fazendo parte da frota desta empresa até à sua triste liquidação em 1985. Foram então vendidos à Portline e revendidos para desmantelar. O CARVALHO foi desmanchado em Setúbal em 1986 e o PEREIRA D'EÇA em Alhos Vedros, no mesmo ano. Ambos receberam os financiamentos brasileiros em igualdade de circunstâncias com os armadores brasileiros de então. Anos mais tarde quando foi necessário levantar as hipotécas para vender os navios, constatou-se que o organismo financiador tinha sido também extinto. Falou-se na altura que nunca se acabou de pagar os navios por a entidade financiadora ter desaparecido no Brasil.
Enfim histórias de navios que conheci bem e fotografei inúmeras vezes...
Fotos: em cima, o CARVALHO ARAÚJO com as cores da EIN com que veio do Brasil. Na altura manteve as cores do Lloyd Brasileiro, só a chaminé é que foi modificada; em baixo, o PEREIRA D'EÇA, com as cores da CTM, fotografado em Lisboa
Texto e fotos de Luís Miguel Correia - 2006
As histórias que conta sobre estas companhias e navios desaparecidos são extremamente interessantes mas não consigo deixar de sentir alguma tristeza quando comparo com o estado actual da Marinha Mercante em Portugal e das actividades associadas.
ReplyDeleteQuando é que deixamos de voltar as costas ao mar, como tem acontecido nas últimas 2 décadas? Para quando investimento em infraestruturas e outras actividades de efeito comprovadamente multiplicador (portos, plataformas logísticas, companhias de navegação, investigação em ciências do mar, etc.)e não em sorvedores do dinheiro dos contribuintes (TGVs, OTAs, Estádios, etc.)?
É que nem é preciso inventar nada, basta seguir os exemplos dos Espanhóis e dos Irlandeses (ainda me lembro que há cerca de 15 anos eram pobrezinhos como nós...).
Onde é que está o famoso cluster do mar?
Malheiro do Vale,
ReplyDeleteTem toda a razão, mas se concordar que estamos inseridos num País onde as gentes de uma forma geral não gostam do mar nem dos navios, já poderá entender muito do que se tem passado.
O fenómeno não é exclusivamente português. Os franceses queixam-se do mesmo, e de uma forma geral parte dos países europeus estão muito afastados das actividades martimas. Claro que outros, como a Grécia ou a Noruega continua envolvidos até em pescoço nestas coisas estranhas dos negócios marítimos, actividades que conseguem explorar a seu belo prazer e criar riqueza... E nós por cá com uma pontinha de inveja.
LMC