As comemorações tiveram o seu ponto mais alto hoje, 24 de Maio, no Funchal, com uma cerimónia em que o Senhor Almirante CEMA proferiu um discurso que, pela sua importância nos sentimos no dever de aqui reproduzir na integra:
Senhor Ministro da Defesa Nacional
Senhor Representante da República para a Região Autónoma da Madeira
Senhor Presidente da Assembleia Legislativa da Região Autónoma da Madeira
Senhor Presidente do Governo Regional da Madeira
Excelência Reverendíssima Bispo do Funchal
Senhor Presidente da Câmara Municipal do Funchal
Senhor Secretário de Estado da Defesa Nacional e dos Assuntos do Mar
Ilustres Autoridades
Distintos convidados
Enquadramento histórico
O Funchal celebra, neste ano de 2008, 500 anos desde a sua elevação a cidade. Seria sempre um imperativo para a Marinha comemorar esta data. Fazemo-lo com gosto e honrados pelo convite, aqui estamos, de novo, 26 anos volvidos, a celebrar o Dia da Marinha. Nesta oportunidade, cumpre-me agradecer o apoio que desde a primeira hora recebemos do Senhor Presidente do Governo Regional da Madeira, do Senhor Presidente da Câmara Municipal do Funchal, e demais entidades que mostraram inexcedível vontade em nos apoiar nesta iniciativa de trazer a Marinha à Madeira e aos madeirenses.
Foi no Porto Santo, em 1418, que se iniciou a gesta dos descobrimentos quando João Gonçalves Zarco e Tristão Vaz Teixeira ali aportaram no decorrer duma missão de busca aos corsários de Salé. Logo no ano seguinte, com Bartolomeu Perestrelo, vieram à Madeira explorar este lugar estratégico, situado no meio do mar oceano, para servir de base na defesa das nossas costas. Foi o princípio do maior feito dos Portugueses, a epopeia dos descobrimentos, que nos uniu como Nação e nos colocou nas páginas da história da humanidade.
Neste enquadramento, é com muito gosto, que agradeço a V. Ex.ª, Senhor Ministro da Defesa Nacional, a disponibilidade que teve para presidir a esta cerimónia, em que também celebramos 510 anos desde a chegada de Vasco da Gama à Índia, pelo apoio institucional que nos transmite. Ficamos mais confiantes da comunhão do pensamento e da continuidade na acção estratégica para a modernização da Marinha, aspecto essencial para que os Portugueses possam usar o mar na medida das suas necessidades.
Agradeço, também, a todos a disponibilidade que tiveram para estar connosco, nesta cerimónia, e envio uma saudação calorosa, para aqueles que, hoje mesmo, estão a cumprir a sua missão no mar. Muito em especial, lembro os fuzileiros que hoje honram os compromissos de Portugal no Afeganistão.
Senhores Almirantes ex-Chefes de Estado-Maior da Armada
Senhores Generais representantes dos Chefes de Estado-Maior do Exército e da Força Aérea
Senhores Directores-Gerais do Ministério da Defesa Nacional
Senhores comandantes militares na Madeira
Madeirenses e Marinheiros,
Enquadramento estratégico
Se olharmos para o panorama internacional, não será difícil perspectivar a dificilmente evitável ocorrência de acontecimentos que a diplomacia não poderá resolver por si só; de fenómenos que afectam a nossa segurança individual e colectiva e que vão perdurar no tempo com diversos patamares risco e ameaça.
O mundo apresenta, hoje, uma incerteza, imprevisibilidade e diversidade de perigos a que só um leque apropriado de capacidades e a união de esforços, aos níveis interno e internacional, poderão fazer face.
A segurança nacional adquiriu um sentido muito lato, podendo dizer-se que deve exercer-se onde estiverem os nossos interesses.
Trata-se de conceptualizar e tirar daí as necessárias consequências, relativamente às fronteiras alargadas do País, porque hoje não é congruente separar, de modo estanque, a Defesa e o apoio à política externa, da segurança e, também, no nosso caso, da autoridade do Estado no mar.
Isto implica reconhecer a inevitabilidade de, urgentemente, adequar o instrumento militar a novas circunstâncias, cuidando prudentemente do futuro, porque é de todos conhecido que uma Marinha não se pode improvisar.
Se, por um lado, a democracia é a marca da identidade do Portugal moderno, temos que reconhecer que o mar, o nosso mar, pertence ao sentir da Nação, e é a marca do Portugal de sempre; Onde nos distinguimos entre os demais, demos novos mundos ao mundo e onde sempre encontrámos válidas alternativas para as “apoquentações” que ciclicamente nos visitam. Hoje, continua a ser assim. É por onde circula a esmagadora maioria do nosso comércio externo, contribui com 11% para o PIB, 90% do turismo, 17% dos impostos cobrados e 12% do emprego. É, também, pelo nosso mar que passam 53% das mercadorias de e para a Europa. É também ele que une o todo Nacional e grande parte da nossa diáspora.
Por tudo isto, julgamos poder afirmar, com toda a certeza, que os recursos nele dispendidos, não são uma despesa mas antes um investimento. Um investimento também na segurança, que é o pilar essencial onde assenta o desenvolvimento.
Índole e actuação da Marinha
O modelo português de imposição da autoridade do Estado nos espaços marítimos, foi aperfeiçoado ao longo de séculos e é hoje exemplo para outros países. Neste modelo, a Marinha detém responsabilidades que se estendem desde as praias e domínio público hídrico, até aos confins da zona económica exclusiva e das áreas de busca e salvamento. Contando com as águas sob nossa soberania e jurisdição situamo-nos hoje entre a primeira dúzia de estados do mundo. Há um enorme potencial a explorar, atestado, também, pelo facto de não haver um único dia em que não contemos, nas nossas águas, com navios de investigação científica estrangeiros. A Marinha, a vossa marinha, procura rentabilizar os recursos que os portugueses nos disponibilizam. Com os mesmos meios, desempenha, em simultâneo, funções de defesa e de apoio à política externa, de imposição da autoridade do Estado no mar e, ainda, da sua investigação e desenvolvimento. É o que designamos por uma Marinha de duplo uso, que agrupa as duas vertentes referidas _ uma de índole “militar” e outra de carácter “civil”- numa lógica de integração e complementaridade visando a optimização de recursos.
Mas existem muitos outros actores com protagonismo no mar. Hoje, o instrumento essencial para evitar o desperdício, chama-se cooperação. Todos dependem de todos e todos não são suficientes para acorrerem a todas as necessidades. Recentemente, após muitos anos de estéreis discussões, deu-se um passo de enorme importância no sentido da modernidade, com a regulamentação das missões que cada um deve desempenhar, e a criação do Centro Nacional Coordenador Marítimo, organismo potenciador do desempenho cooperativo. Dispensam-se assim outros organismos do Estado de replicarem meios que já existem, poupando recursos escassos e dispendiosos. Este é, no meu entendimento, o único caminho a percorrer de forma a salvaguardar os nossos interesses no mar, a custos comportáveis, explorando as sinergias e evitando desperdícios.
Mas, para que este modelo possa funcionar, é também necessário que se disponha de uma Marinha que corresponda às necessidades actuais do País e dos espaços onde nos integramos, designadamente a União Europeia e a NATO, assente na robustez de três pilares fundamentais: a organização e doutrina, os meios e as pessoas.
Organização e doutrina
No âmbito do primeiro pilar, está em curso uma revisão profunda da estrutura superior da Defesa Nacional e das Forças Armadas.
A Marinha encontra-se vinculada, desde o início, à construção de um edifício legal moderno, adaptado às nossas circunstâncias e às exigências do novo ambiente de segurança internacional.
A problemas cada vez mais complexos, terá que corresponder um processo de consultas político-militares cooperativo, sólido e abrangente, que permita identificar sempre a melhor solução.
Em paralelo, para podermos dar resposta a um crescente número de solicitações, da mais diversa origem, haverá que tornar mais simples, flexível e eficaz o uso das capacidades disponíveis, no respeito pela identidade e cultura própria dos Ramos.
Aqui, temos a vantagem de podermos ajustar o nosso modelo à experiência de outros e, não repetir erros perfeitamente evitáveis.
Adaptaremos, assim, a nossa organização, procurando servir, ainda melhor, Portugal e os portugueses. Estamos nisso empenhados. Há muitos séculos; quase tantos como os que conta a nacionalidade. Conhecemos os ventos favoráveis à nossa rota. Só esses nos servem, porque sabemos muito bem onde estamos e para onde queremos ir.
Material
Em relação ao material, disse há dois anos, aquando da aprovação da nova Lei de Programação Militar, que os programas nela inscritos “representam um enorme alento e uma acrescida responsabilidade para a Marinha e para todos os marinheiros”. A nova Esquadra terá mais capacidade de intervenção dentro e fora do País, num leque mais alargado de situações, com maior influência nos acontecimentos e mais visibilidade para Portugal”.
Contudo, passados que estão dois anos, falta ainda concretizar parte significativa do plano.
Se é certo que dentro de seis semanas teremos o lançamento à água do primeiro dos novos submarinos, o N.R.P. Tridente, e no fim deste ano iremos receber a primeira das duas fragatas adquiridas à Holanda, o N.R.P. Bartolomeu Dias, continuam por operacionalizar três importantes programas de meios navais: o Navio Polivalente Logístico, (o mais conjunto de todos os meios do sistema de forças) as Lanchas de Fiscalização Costeira e os Navios de Patrulha Oceânica.
Existem recursos e capacidade. Há que decidir para que se possa passar da virtualidade ao concreto!
O Navio Polivalente Logístico, é essencial para a capacidade expedicionária nacional. Poderá transportar meios do Exército, e da Força Aérea e potenciará o emprego dos nossos Fuzileiros bem como o apoio às populações, como plataforma de protecção civil e apoio sanitário em caso de catástrofe ou acidente. Assumimos que o conjunto é a forma de emprego mais eficaz das Forças Armadas. Por isso, não podemos, nem devemos, adiar por mais tempo a obtenção da mais conjunta capacidade do sistema de forças nacional.
No âmbito da fiscalização, atingimos uma situação insustentável no que respeita à manutenção dos actuais Patrulhas da classe “Cacine”, [que acabou de completar 39 anos de serviço].. A sua substituição é urgente, pelo que a assinatura do contrato de construção das Lanchas de Fiscalização Costeira é inadiável.
Só com os novos navios poderemos reforçar o dispositivo, o que, no caso da Madeira, se justifica plenamente há muitos anos, pela vastidão e sensibilidade da sua zona económica exclusiva.
Finalmente, no caso dos Patrulhas Oceânicos, as duas primeiras unidades encontram-se a nado há três anos, num longo processo em que estamos a envidar todos os esforços para que chegue a bom porto. A Marinha e o País precisam destes navios. Confio que, durante o próximo ano, seremos capazes de os aumentar ao efectivo da Armada e continuar o processo de construção das restantes unidades previstas.
É com especial satisfação que dou público conhecimento que um dos futuros NPO será baptizado com o nome “Funchal” como homenagem sincera às gentes da Madeira que sempre acolheram a sua Marinha com o carinho que só os do mar sabem dispensar e compreender.
Mas de nada servirá ter navios, se não os soubermos manter. Por isso, é essencial transformar o Arsenal do Alfeite num estaleiro moderno e competitivo investindo os recursos necessários nos seus trabalhadores e equipamento. Esta é uma reforma crucial que temos que concretizar rapidamente.
Pessoal
Se a renovação da Esquadra é inadiável, ela não pode ser dissociada de um incremento significativo da capacidade de recrutar e reter as pessoas que são indispensáveis ao cuidado acrescido com o material de alta tecnologia de que dispomos. Para isso, há que tornar mais apelativa uma profissão exigente e difícil, onde o mar impõe as suas regras e onde a família e o tempo livre ficam sempre em segundo plano.
Como sabem, está em curso um estudo com o objectivo definido de “corporizar um modelo de carreiras moderno que promova a valorização da condição militar e faça face às expectativas dos militares”.
São aspectos fundamentais para todos, mas muito em especial para a motivação dos que servem no mar. Assim, estamos empenhados em aproveitar esta revisão para resolver os problemas identificados, reconhecendo e valorizando a sua especificidade.
Ao longo deste processo, temos contribuído de forma empenhada para que daqui possa resultar um novo enquadramento legal que potencie o desempenho dos que servem nas Forças Armadas. Porém, não poderemos esquecer os que deram o melhor de si servindo Portugal, e a necessidade de continuar a atrair os nossos melhores jovens e, assim, assegurar o futuro. Para tal, há que reencontrar o justo equilíbrio entre deveres, direitos e recompensas, designadamente nas retribuições como indica, sem margem para dúvidas, o “benchmarking” com países vizinhos e aliados. É óbvio que não será possível fazê-lo de uma só vez, mas tal será incontornável.
Outro aspecto crucial para a motivação e disponibilidade para a missão dos militares embarcados, é a garantia do apoio aos seus familiares, através dos organismos vocacionados para esse fim, sendo neste caso, a saúde determinante.
Dado o contexto que todos conhecemos, há que inverter rapidamente a situação de falta de confiança dos prestadores de serviços e dos utentes, e ter em conta esta lição aprendida em outras intenções de centralização.
Motivação e estímulo
Ilustres convidados, Minhas Senhoras e Meus Senhores, permitam-me que me dirija agora aos marinheiros.
Militares, Militarizados e civis da Marinha,
O Dia da Marinha é o nosso dia de festa. O dia em que mostramos aos nossos concidadãos o que fazemos e o balanço do que fizemos. Posso afirmar que foi muito, mas que muito mais falta fazer!
De facto, durante o último ano, os navios, as unidades de fuzileiros e de mergulhadores, os meios da Autoridade Marítima e do Instituto Hidrográfico, cumpriram, ao serviço de Portugal e dos Portugueses, uma intensa actividade de que nos podemos orgulhar.
Apesar da conjugação desfavorável de alguns factores, de que realço o progressivo envelhecimento dos meios navais; os limites do orçamento para Operação e Manutenção [de facto voltou ao nível de 2004], e o aumento do preço dos combustíveis, conseguimos um desempenho de nível mais elevado, bem visível no número de unidades com missão atribuída que atingiu uma média de 10 navios por dia nos 365 dias do ano. Poucas marinhas se podem orgulhar deste ratio operacional!
No que respeita à salvaguarda da vida humana no mar, salvámos 1067 vidas em perigo, com uma taxa de sucesso de 95.2%. Este é um resultado que se situa ao nível dos melhores do mundo e que hoje tenho a honra de anunciar e sublinhar, em especial, para aqueles que nada sabendo fazer, tudo sabem criticar. Digo-o com orgulho, porque resulta do empenho de todos _marinheiros anónimos_ que dão o seu melhor ao serviço do País “ sem cuidar de recompensa”. Também cometemos erros, como todos os que produzem, mas teremos, sempre, a humildade de os reconhecer e corrigir.
Futuro
No próximo ano teremos um ambicioso programa a cumprir, que vai exigir muito de todos nós. Realço, apenas, as duas missões seguintes:
› Em Janeiro de 2009 assumiremos o comando de uma das Forças Navais Permanentes da NATO, que já comandámos por duas vezes. Trata-se, antes de mais, de corresponder às responsabilidades do Estado para com a aliança que nos vem mantendo as ameaças e os conflitos afastados das nossas fronteiras e de reafirmar e projectar a nossa capacidade no plano internacional. Estou certo que vamos conseguir vencer este importante desafio e evidenciar que a qualidade dos nossos navios e guarnições se situa entre as melhores.
› A fase final dos trabalhos relativos à extensão da plataforma continental vai ainda exigir um grande esforço aos navios hidro-oceanográficos. Pelo que já é conhecido, é um esforço compensador, porque nos vai permitir estender a exclusividade do aproveitamento do solo e subsolo marinhos nalguns casos até às 350 milhas da costa, numa área que, no mínimo aumentará a nossa responsabilidade em cerca de 250.000 Km2 (2.5 vezes a área de Portugal continental). Para as guarnições dos navios hidrográficos quero dirigir uma palavra de estímulo para as tarefas que estão a cumprir.
Para além destas missões especiais, teremos sempre uma força naval pronta para zarpar do Tejo em 48 horas e continuaremos a cumprir um dispositivo que cobre, no mar, todas as parcelas do território nacional, 24 horas por dia, 365 dias por ano, num esforço de presença e de imposição da lei que tem conseguido dissuadir e reprimir o uso ilícito dos nossos espaços marítimos e, simultaneamente, garantir a busca e salvamento e a preservação do ambiente.
Uma Marinha pronta ao serviço do País
Senhor Ministro da Defesa Nacional,
Perspectivamos uma Marinha equilibrada e de duplo uso que pode intervir em missões muito diversificadas, de interesse público militar ou não militar, face ao conjunto alargado de capacidades de que dispõe, e que potencia as sinergias existentes e a decorrente economia de recursos, ao assumir simultaneamente a maior parte das funções típicas das Guardas Costeiras.
Temos uma Marinha em fase de progressiva modernização dos seus meios.
Temos uma Marinha conceptualmente de vanguarda, ajustada às novas ameaças, muito experimentada na cooperação internacional, que entende a imprescindibilidade da colaboração com outros departamentos do Estado e a pratica no quadro do Sistema de Autoridade Marítima.
Temos uma Marinha que usa, com utilidade, todos os seus recursos em tempo de paz e está também adequadamente treinada para participar em missões de apoio à paz, em gestão de crises e em zonas de conflito armado.
Como seu responsável máximo posso garantir que a Marinha continuará firme na defesa, empenhada na segurança e parceira no desenvolvimento, ao serviço de Portugal, sempre!
Viva a Marinha! Viva Portugal!
Fernando de Melo Gomes - Almirante
Viva a Marinha!!!
ReplyDelete