Wednesday, June 10, 2009

Paquete alemão WINDHUK

A saga e o sino do navio alemão Windhuk
Texto publicado em 02 de Junho de 2009 -

por Laire José Giraud *

Ano após ano, em 7 de dezembro, os ex-tripulantes do navio


O transatlântico ’’Windhuk’’, em postal que aponta a rota percorrida de

Lobito, de onde zarpou em 3 de setembro de 1939, até chegar a Santos,

em 7 de dezembro de 1939. (Reprodução)

‘Windhuk’ que decidiram permanecer no Brasil se reúnem durante almoço de confraternização no Restaurante Windhuk, em São Paulo. Um detalhe: o local é totalmente decorado com fotografias do navio e objetos que a ele pertenceram.

Em setembro de 1939, há 70 anos, o navio alemão ‘Windhuk’ (que significa “Vento do Mar” em alemão) começaria uma epopéia que terminaria inesperadamente em Santos.

No dia 3 daquele mês, o navio ainda se encontrava no porto angolano de Lobito, na costa ocidental da África, quando o comandante recebeu ordens para retornar à Alemanha.


Raro cartão-postal, mostrando o ’’Windhuk’’ fundeado no estuário, nas

proximidades do Moinho Santista, vendo-se à direita o famoso ’’Conte Grande’’

(de duas chaminés), atracado nas proximidades do escritório do Tráfego da

Companhia Docas de Santos. Ambos os navios foram confiscados pelo governo

brasileiro em 29 de janeiro de 1942. (Acervo: Laire José Giraud)


Mas a Inglaterra já havia implantado numerosos bloqueios no Atlântico Sul. Não só para impedir a passagem das embarcações germânicas, bem como para apreendê-las e também para dar combate aos famosos U-Boats, submarinos corsários alemães que tantas baixas causavam aos aliados.

O comandante do ‘Windhuk’, Wilhelm Braver, decidiu escapar dos bloqueios pelo sul, navegando em direção à Argentina. Para furar o bloqueio, camuflou o navio: mandou hastear a bandeira japonesa e trocou o nome do transatlântico para ‘Santos Maru’.

A certa altura da viagem, devido ao baixo estoque de combustível nos tanques e às más condições do tempo, o comandante Braver decidiu encurtar a viagem e procurou escalar em um porto que se apresentava seguro: Santos.

Naquela época, o Brasil era neutro. O rompimento das relações com os países do Eixo - Alemanha, Itália e Japão - aconteceu apenas em 29 de janeiro de 1942.

Na barra
O célebre ‘Windhuk’, que viria a fazer parte da história da nossa Cidade, chegou a Santos em 7 de dezembro de 1939. Foi recebido como uma embarcação da companhia de navegação japonesa Osaka Kaisen Line.


O ’’Windhuk’’ fundeado no estuário, no dia da entrada no Porto de Santos,

em 7 de dezembro de 1939. (Foto: João Gabriel Camacho, acervo: Laire J. Giraud)


O navio foi avistado, pela primeira vez, pelos jovens atalaiadores Gerson da Costa Fonseca e Mário de Azevedo, que mais tarde viriam a ser conceituados práticos da barra.

Esses jovens eram funcionários do Posto de Atalaia da Praticagem, localizado no alto do Monte Serrat, de onde, através de lunetas e binóculos, avistavam todo o estuário, a entrada do porto e a barra.

Desse local, os atalaiadores, como eram chamados, comunicavam por telefone ao escritório da Praticagem a chegada dos navios, solicitando que os práticos fossem para bordo.

Vale lembrar que a sede da Praticagem ficava na Praça da República (Centro), em prédio colado ao famoso Restaurante Marreiro. Os edifícios foram derrubados e hoje resta somente um terreno baldio, utilizado pela Alfândega como estacionamento de veículos.

Mistério
Os atalaiadores logo ficaram ressabiados com o navio na entrada da barra, aproximando-se do canal de navegação.


Imagem do navio alemão visto de popa (ré), fundeado nas proximidades do escritório do Tráfego da Companhia Docas de Santos, em 7 de dezembro 1939. (Foto: João Gabriel Camacho – Acervo: Laire José Giraud)


Pelas seguintes razões: o navio ‘Santos Maru’ havia deixado o porto poucos dias atrás, o verdadeiro ‘Santos Maru’ era uma embarcação menor do que aquela que se aproximava e tinha apenas uma chaminé, em vez de duas, como mostrava o ‘Windhuk’ disfarçado.

Ainda assim, a Praticagem encaminhou para bordo o prático Antonio Reis Castanho Filho, pai do atual prático Ismael Castanho, que levou a embarcação até o Cais do Armazém 18 da CDS - Companhia Docas de Santos, a então concessionária privada que administrou o porto de 1890 a 1980.

Para os trabalhadores do cais, a surpresa também foi geral por verem no navio, em vez de japoneses, apenas marítimos alemães. Quem contava isso era o meu pai, Laire Giraud, já falecido, que na época trabalhava como médico dos portuários.

Apresado
O navio foi detido no porto, a pedido dos países aliados. E, apesar de ter ficado no cais, passou a ser responsabilidade da estatal Companhia de Navegação Lloyd Brasileiro, que na ocasião assumira os navios alemães ‘Dresden’ e ‘Babitongo’, ao lado do famoso ‘Conte Verde’, transatlântico de bandeira italiana, que também foi hóspede do nosso porto.


O ’’Windhuk’’ era um dos navios mais modernos da época. Media 176 metros

de comprimento, deslocava 16.622 toneladas, tinha a impressionante velocidade

de 18 nós (33,3 hm/h), capacidade para 540 passageiros em três classes e uma

tripulação de 250 pessoas. Foi lançado em 15 de outubro de 1936.

(Acervo: Laire José Giraud)


Os 244 tripulantes do ‘Windhuk’ foram desembarcados e enviados para campos no interior do Estado de São Paulo.

As prisões brasileiras em nada lembravam os horrores dos campos de concentração nazistas. A maior parte ocupava áreas de fazendas e sítios, transformados em prisões para estrangeiros.

A principal preocupação das autoridades era evitar que os alemães tivessem contato com o Exterior.


O ’’Windhuk’’, fundeado no estuário do porto santista, camuflado com as cores do

navio japonês ’’Santos Maru’’, no dia da chegada a Santos, em 7 de dezembro 1939,

após conduzido pelo prático Antonio Reis Castanho. (Reprodução)


No litoral, por exemplo, nenhum deles podia morar a menos de um quilômetro da praia. Havia o temor geral de que, agindo como espiões, passassem mensagens para navios em entrada ou saída do porto.

Vale lembrar que a declaração de guerra do Brasil – em agosto de 1942 - com a Alemanha foi motivada pelos torpedeamentos seguidos de navios mercantes nacionais, que causaram a perda de inúmeras vidas.

Em 1999, quando a retenção do ‘Windhuk’ completou 60 anos, ex-prisioneiros confessaram que sentiram muito medo e somente pensavam em voltar para a pátria. Mas admitiram que tinham liberdade e sentiam saudades dos tempos em que ficaram detidos nos campos de Taubaté, Pindamonhangaba ou Jundiaí.

Integração
Quando acabou a Segunda Guerra Mundial, em 1945, a Europa estava destruída. Por isso, a maior parte dos tripulantes do navio alemão decidiu permanecer no Brasil.


O ’’Windhuk’’ foi vendido, em maio de 1942, para o governo dos Estados Unidos,

passando a ser o navio-transporte de tropas ’’LeJeune’’. Há informações de que

o ’’Windhuk’’ e o ’’Conte Grande’’ foram trocados pela sede da Embaixada do Brasil

em Washington. Note-se que o navio está sem uma das chaminés, depois de

reformado. (Reprodução)


Vários se casaram com brasileiras. Os descendentes podem ser encontrados naquelas cidades do Interior de São Paulo, em São Vicente e em Santos, naturalmente.

Alguns dos embarcados conheceram as esposas no clube alemão, em São Vicente, que tinha instalações em terreno onde posteriormente foi construído o 2.º Batalhão de Caçadores do Exército.

Muitos restaurantes famosos, na Capital e no Litoral, foram fundados por ex-tripulantes do ‘Windhuk’, como o Bar do Heinz, em Santos; o Hirondele, em São Vicente; o Windhuk e o Bavária, em São Paulo, além da hotelaria em Campos do Jordão, que teve início, propriamente dita, pelo esforço daqueles alemães.

O navio foi imortalizado em várias obras. Em São Vicente, o saudoso pesquisador Carlos Hablitzel construiu a maquete do ‘Windhuk’ (hoje no Museu do Mar de Santos), “que era muito especial, único da época que fazia 18 nós”.

Em tela, o pintor e escultor paulistano Miguel Romeu Cuocolo fez um quadro que ainda se encontra no Restaurante Windhuk, em São Paulo.

Alta classe
O ‘Windhuk’ tinha um irmão, o ‘Pretoria’, que teve vida longa, antes de terminar como sucata, nos Estados Unidos.


Gerson da Costa Fonseca (hoje prático aposentado), em imagem de 1995. Gerson,

na época atalaiador, avistou o ’’Windhuk’’, entrando em Santos, na companhia de Mário

de Azevedo, que posteriormente foi também prático. (Acervo: Laire José Giraud)


Construído no Estaleiro Bloom & Voss, em Hamburgo, para a armadora German East Africa Line, o lançamento do ‘Windhuk’ ocorreu em 21 de agosto de 1936.

A viagem inaugural teve início em 12 de abril de 1937, com destino a Capetown (África do Sul), com escalas em Roterdã (Holanda), Las Palmas (Espanha), Port Elizabeth (África do Sul) e Lourenço Marques (Moçambique).

No retorno à Europa, cruzava o Mar Vermelho e o Mar Mediterrâneo, passando por Trípoli (Líbia) e Lisboa (Portugal), antes de retornar a Hamburgo (Alemanha).

A saga do ‘Windhuk’, com final em Santos, começou quando estava no meio da 13.ª viagem.

Único resto
Depois de ficar dois anos detido em Santos como presa de guerra, o ‘Windhuk’ foi vendido aos Estados Unidos, cuja Marinha o transformou em navio-transporte de tropas.

Sob o comando do capitão John Botton, cerca de 200 tripulantes americanos vieram a Santos para levá-lo até Norfolk (Virgínia), onde foi reformado e transformado no ‘LeJeune’, homenagem a John LeJeune, ex-comandante do Corpo de Fuzileiros Navais LeJeune. O navio rebatizado recebeu o prefixo AP-47, pintado no casco e gravado no sino de bordo.

A participação do ‘LeJeune’ na guerra, sob a bandeira estadunidense, teve início em 15 de junho de 1944, quando deixou Nova York, com destino a Glasgow (Escócia).

A partir de então, fez numerosas travessias do Atlântico, até o fim do conflito, quando foi praticamente encostado na base de Tacoma (Washington).


Interior do Restaurante Windhuk, na Cidade de São Paulo, que homenageia o legendário transatlântico. (Reprodução)

Mas em 1950 voltou à atividade, transportando tropas para a Guerra da Coréia e, quando parecia que teria fim a heróica jornada do velho ‘Windhuk’, foi chamado novamente à ativa, para atuar no Vietnã. Em 1966, finalmente, foi desativado e vendido como sucata.

Do grande ‘Windhuk’ restou somente o sino, hoje soando nos campos da Califórnia o mesmo som que um dia soou no cais de Santos.

Hoje, quando os soldados do Campo LeJeune – Quartel-General dos Fuzileiros Navais dos Estados Unidos, na Califórnia – ouvem o repicar do sino de 127 quilos, quantos sabem que ouvem o sino de bordo do ‘Windhuk’?

Restaurante Windhuk
Instalado em um enorme chalé de estilo alpino, em Moema, o Restaurante Windhuk foi fundado em 1948 por um ex-tripulante do navio alemão. O site pode ser conferido no endereço
www.winduk.com.br


Hoje o proprietário é outro, um ex-funcionário que assumiu o comando da casa. O carro-chefe são os pratos típicos da culinária alemã.

Entre as sugestões estão o filé mignon à milanesa ao molho de páprica servido com bolinho de batata e o coelho à Windhuk (ao molho madeira, servido com batata sauté e repolho roxo). As variadas opções de chope também fazem sucesso entre os freqüentadores.


* Laire José Giraud é despachante aduaneiro, colecionador de cartões-postais da Cidade e de transatlânticos antigos. Colaborador da Revista de Marinha de Portugal. Publicou cinco livros, como autor e co-autor, sobre temas da Santos antiga.

2 comments:

  1. Curioso o facto deste paquete alemão se encontrar no Lobito quando rebentou a Segunda Guerra Mundial.
    Se tivesse permanecido em águas portuguesas provavelmente teria sido comprado em 1943 pela Companhia Colonial de Navegação, que adquiriu na ocasião todos os navios alemães, excepto o SOFALA (CNN) e os navios que se encontravam em Mormugão e foram sabotados pelas tripulações.

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  2. Os navios que estavam em Mormugão foram sabotados pelas tripulações reagindo a um raide de comandos britânicos do SOE ('Operação Long Shanks'), no Carnaval de 1943.

    Portugal tentou adquirir os navios, mas a Alemanha opôs-se receando que acabassem em mãos inglesas.

    Um dos navios alemães, o Ehrenfels, era o epicentro da rede de espionagem alemã na Índia (na britânica e na portuguesa), e a bordo estava instalado um emissor de longo alcance que informava a Marinha Alemã dos movimentos dos navios britânicos.

    Como sucedeu noutras ocasiões durante a guerra, fechou-se os olhos à acção inglesa, embora houvesse pleno conhecimento dela, culpando-se as próprias tripulações alemã e italiana pelo sucedido.

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