Sábado, 4 de Março de 1973, uma tarde cinzenta, com algum vento desagradável e uma luz sem vida a substituir as cores habituais do Tejo pela sombra de uma despedida precoce a um navio esbelto, feito inútil antes do tempo.
Completamente carregado, com os tombadilhos cheios de automóveis para Luanda e Lourenço Marques, o paquete VERA CRUZ largou do cais da Companhia Colonial de Navegação para uma última viagem, sem regresso. Acabava de ser vendido para sucata e seguia para a ilha Formosa onde seria desmantelado. Apesar de se apresentar descuidado e sujo, o VERA CRUZ mantinha uma grande imponência ao deixar o Tejo, acompanhado pelo rebocador MUTELA, com quem trocou os apitos finais.
O VERA CRUZ estava imobilizado no porto de Lisboa há 13 meses, desde que concluíra a última viagem a África, a 27 de Janeiro de 1972. O aspecto exterior descuidado traduzia essa longa imobilização no Mar da Palha.
Os primeiros dias da última viagem foram atribulados, devido a problemas com as caldeiras, uma das quais ficou inutilizada por um incêndio. Só de Luanda para baixo é que o navio navegou em condições mais aceitáveis. Após uma longa travessia do Índico, chegou ao destino final a 19 de Abril de 1973, entrando no porto de Kaohsiung, onde foi encalhado e entregue aos compradores.
Após o encalhe deliberado do paquete, próximo de outros navios igualmente condenados, o VERA CRUZ tombou a bombordo e a inclinação era tal que para desembarcarem, os tripulantes tiveram de estender cabos em alguns salões e tombadilhos para se apoiarem. Entretanto subiram a bordo chineses que logo começaram a observar os interiores do paquete, batendo com as mãos nas anteparas para se aperceberem dos materiais, etc...
O Comandante fez questão de não deixar a bandeira portuguesa no navio. O encalhe não foi a indignidade final do VERA CRUZ, a bordo do qual se declarou um incêndio durante os trabalhos preliminares de desmantelamento.
Nesse ano aziago de 1973 o VERA CRUZ tinha 20 anos e pelo menos mais 20 de vida útil se tivessemos sabido aproveitar este e outros grandes navios que em tempos tiveram a palavra LISBOA escrita à popa... Quando foi lançado à água, em Antuérpia no ano de 1951, o VERA CRUZ foi o quinto maior navio construído nesse ano em todo o mundo... À época só os Estados Unidos, a França, a Holanda, a Itália e o Reino Unido dispunham nas suas frotas mercantes de paquetes com maior tonelagem que o nosso VERA CRUZ. Enfim, foram-se os navios ficaram algumas recordações...
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