Aproveito para voltar a falar um pouco mais do "Pamir" afundado em 1957, a 600 milhas a Sudoeste dos Açores, como consequência do ciclone "Carrie", que começara como uma depressão, na costa ocidental de África e que depois de parecer dirigir-se para as Caraíbas, alterou o rumo para Norte e depois para Este, apanhando o navio-escola da Marinha Mercante, que saíra a 10 de Agosto de Buenos Aires para a Alemanha (então RFA), com uma carga de 3 mil tons. de cereais.
O afundamento do "Pamir" foi um choque enorme na época; dos 86 homens a bordo, 52 eram cadetes da Marinha de Comércio - jovens entre os 18 e os 20 e poucos anos - e só se salvaram 6 - 4 marinheiros e 2 cadetes.
O naufrágio deu-se a 21 de Setembro e a última mensagem, um SOS, emitida às 11 horas locais dizia: "forte furacão, todas velas perdidas, 45 graus de inclinação, perigo de afundamento". Durante 9 dias, cerca de meia centena de navios e aviões de 13 países efectuaram buscas; a 24 de Setembro encontraram-se 5 náufragos, a 25, o último. Um outro tripulante ficara internado em Buenos Aires devido a uma queda no navio, escapando à tragédia.
Os episódios à volta do "Pamir" são inúmeros e controversos; durante anos procurei conhecer o Relatório oficial sobre a tragédia, sem resultado...
Em 1997, nos 40 anos do afundamento, ainda consegui falar, ao telefone, com alguns dos sobreviventes, mas, ao saberem ao que ia, todos se calaram.
Certo é que o comandante na fatídica viagem era um substituto do habitual, retido na Alemanha, e com muito menor experiência; a carga, devido a uma greve de estivadores na Argentina e à consequente necessidade de recuperar tempo, fora embarcada a granel e não ensacada, como se fizera até então, e "correu" devido à forte ondulação.. os tanques de lastro não foram cheios, para compensar a gradual inclinação para bombordo; as escotilhas não foram fechadas, permitindo a entrada do mar..e depois, dizia-se que o comandante terá querido manter o "pano" em cima, até ao limite, para ganhar mais velocidade..
Outro ponto estranho teve a ver com o número de mortos: soube-se pelos sobreviventes que cerca de 30 homens terão estado vivos, na água, durante algum tempo..para desaparecerem, afogados, até restarem os 6 que se salvaram. Especialistas perguntaram,na época (entre eles, Alan Bombardier, o célebre náufrago voluntário) como fora possível que jovens, na força da idade, bem alimentados e preparados fisicamente, tinham sucumbido tão rápidamente, e só viam o pânico e a falta de auto-controlo, como explicação. A Marinha de Guerra alemã, que tinha tradição no uso de navios-escola, ponderou abandonar essa práctica, mas acabou por continuá-la, reforçando as condições de segurança do "Gorch Fock".
A Marinha de comércio perdeu uma geração de profissionais, e o "Passat", quase gémeo do "Pamir", foi transformado em museu flutuante, estático. Dos restantes navios, construídos pelo célebre armador alemão Laeisz em grupo (os 8 irmãos) sobreviveram, para além do "Passat", o "Peking", que está em South Street Seaport, em N.York (que lugar maravilhoso!), o "Pádua", que é o actual "Kruzenstern" (russo) e o "Pomern", também museu na Alemanha.
Este armador gostava de baptizar os seus navios com nomes começados por P, e daí que fossem conhecidos pelos " Flying P's "...
Nos Açores a noticia espalhou-se rápidamente, primeiro sobre um navio em dificuldades, depois já sobre o seu desaparecimento..tendo o temporal, provocado pelo "rabo" do "Carrie" marcado presença no Arquipélago.
Em P.Delgada, estava o "Lima" e um dos "Carvalhinhos" ("Arnel" ou "Cedros, não sei qual). Apesar do reforço das amarrações, o "Lima" viu os cabos da popa rebentarem com a força do vento e das vagas que saltavam o molhe e rodou, com muita sorte, sobre si próprio, ficando com a proa apontada a poente...o "Carvalhinho", pelo sim, pelo não, largou amarras e fundeou a meio do porto, com os dois ferros largados e máquina a trabalhar, de proa ao vento, e a carga que estava em cima do cais,(caixotes, bidons de 200 lts, etc) foi à água. Em terra voaram telhas, caíram árvores e muros..
Um dos patrulhas da Armada em comissão nos Açores, tentou uma saída de busca e salvamento, mas desistiu..e teve sorte em conseguir regressar a salvo ao porto (julgo que da guarnição fazia parte o mais tarde Contra-Almirante Conceição e Silva, um apaixonado pela vela) e da Base das Lages, o primeiro avião a descolar, mesmo abaixo dos limites, (os americanos ficaram no chão, esperando por melhores condições) foi um PV2, de luta anti-submarina, da nossa Força Aérea,da Base do Montijo, que estava na Terceira em voo de treino..
Foi, de facto, um choque enorme, tão grande que ainda hoje a palavra "Pamir" tem, para mim, e por certo, para muita gente que viveu esse tempo, um sentido profundo de tragédia.
Na Alemanha, o naufrágio foi recordado, o ano passado, com um filme realizado pela Televisão pública, transmitido depois pelo canal franco-alemão ARTE.
Um abraço, LMC. Desculpe a extensão do relato - mesmo assim, tentei síntetizar - mas a "culpa" é sua...
Saudações atlânticas,
João Coelho