ão resisto a destacar mais um comentário do nosso Amigo João Coelho, com a inclusão de duas fotografias que lhe são dedicadas e fazem parte de um trabalho novo em preparação: a primeira data de 1965 e além de um contratorpedeiro francês podem ver-se os paquetes SEVEN SEAS e ISRAEL. Na segunda, datada de Janeiro de 1968, vê-se o ANGRA DO HEROÍSMO acabado de atracar por entre o CARVALHO e o GRIPSHOLM. Juntei mais duas imagens, sendo a última uma chegada do ANGRA DO HEROÍSMO a Lisboa.
Obrigado, João pela sua colaboração e por partilhar memórias tão interessantes... L.M.C.
"Angra do Heroísmo"... Conheci-o ainda como "Israel" ( e ao irmão "Zion", depois "Amélia de Mello" ) quando escalava P.Delgada, em viagem da América para Telavive, com emigrantes.
Mais tarde, em Julho de 66, fiz a 1ª viagem de Lisboa para os Açores do "Angra" - e, ainda acostado no cais da Rocha, ouvi pela 1ª vez, através da amplificação de bordo, o "Strangers in the night", do Sinatra.
Dos paquetes da Insulana que conheci, o "A. do Heroísmo" foi o meu preferido - o "Lima", velha reliquia, era encantador, paineis de madeira no interior, cadeiras de palhinha, escadas com corrimão de madeira, jardim de inverno à moda antiga, mas muito lento...
Era bom para o mar, tinha um bom balanço longitudinal, e até se dizia que, dada a provecta idade do casco, tinha o fundo, no interior, reforçado com cimento.-.
O "Carvalho Araújo", mais novo, era um bocado "rolha" (redondo de casco, rolava um bocado), e era um pouco mais rápido do que o "Lima"...
À época, vigorava a separação dos passageiros, por classes: os da 3ª, com camarotes colectivos por debaixo dos guinchos dos paus de carga, quase à ré, podiam ir às instalações da 2ª, na popa, mas era-lhes vedado o acesso às da 1ª; para as refeições, havia que percorrer o navio, pelo interior, até à proa, onde ficava a messe da 3ª, passando pela zona de acesso à casa da máquina e apanhando assim com os odores do "mazute", em jeito de aperitivo para a "sopa Primavera" e o guisado de carne da praxe.
Os mais entendidos percebiam que ia surgir mau tempo quando viam passar os marinheiros com latas de óleo às costas, rumo à casa da máquina do leme, à popa... era importante que o mecanismo estivesse bem lubrificado, para melhor resposta às ordens da ponte...
Tanto o "Lima" como o "C. Araújo" "fumavam" muito, e quem não olhasse para a direcção do vento, candidatava-se a um banho de fuligem de primeira qualidade...
Com bom tempo, o ambiente a bordo era agradável; as freirinhas do costume - muito viajavam as santinhas! - cantando "O mar enrola na areia", o camaroteiro tocando o pequeno xilofone que chamava para as refeições, os estudantes derriçando entre si, caixeiros-viajantes comparando negócios, ciganos avaliando hipóteses de venda de uns cortes de excelente fazenda para fatos, por vezes uma companhia de circo, ou uma "troupe" de carrinhos de choque em viagem até aos Açores - a par de militares em comissão, funcionários do Estado colocados nas ilhas, ou simplesmente familias em viagem de férias - sempre anunciadas nos jornais da terra - "no paquete "C. Araújo" segue hoje para Lisboa, em viagem de férias, o sr. fulano de tal, distinto professor do Liceu Nacional de P. Delgada, acompanhado pela sua mulher e filhos, etc.."
Saía-se de S. Miguel, por volta das 22H, navegava-se o dia seguinte, mais uma noite e, pela manhâzinha, lá estava a Madeira...
Acabado de "baldear" o navio, os mais madrugadores já estavam na amurada, a costa a deslizar, os peixes-voadores a mostrar as suas habilidades, uma ou outra embarcação de pesca na faina e, pouco depois, o porto do Funchal, com o seu anfiteatro de sonho...
Passava-se o dia na Madeira, à noitinha partia-se para Porto Santo, escala breve para deixar veraneantes e alguma carga, e seguia-se para Lisboa, noite, dia, mais uma noite e viva o Tejo, que chegámos à capital...
Mais tarde, veio o "Funchal", coisa bonita e elegante, sofisticado, rápido que nem uma gazela (batia-se em velocidade com os "pipis" da Colonial e da Nacional no percurso Lisboa/Madeira) enquanto durou a turbina, mas muito "bailarino" - no Inverno, com um bocado de mar, era um tormento..
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Finalmente, o "Angra", sólido, ainda capaz de 16/17 nós, espaçoso, bom de balanço, já não havia separação de classes, toda a gente se espalhava pelo navio, frequentava os bares e a pista de dança ( como era giro ensaiar uns "passes", agarrado à dama e tendo que contar com o movimento do navio...) enfim, já sentíamos - nós, açoreanos que não conhecíamos os "Santa Maria", "Vera Cruz", "Infante Dom Henrique" e outros - que, com o "Funchal" e o "Angra", tínhamos navios que se podiam mostrar... e que não nos envergonhavam..
Infelizmente, acabou cedo... e obrigaram-nos, aos ilhéus dos Açores, a mudar para os aviões.
Saudações marinheiras (João Coelho)
Texto de João Coelho com introdução e imagens de Luís Miguel Correia. For other posts and images, check our archive at the right column of the main page. Click on the photos to see them enlarged. Thanks for your visit and comments. Luís Miguel Correia