Friday, June 27, 2008

A MARINHA NO MAR DOS AÇORES


A propósito de um pequeno "post" recente com uma imagem do CACINE em Leixões, o nosso Amigo João Coelho deixou este interessante comentário que resolvi destacar pelo seu conteúdo. Foto do NRP CACINE em Leixões em 2003.
Estes patrulhas, construídos para missões em África, durante a guerra colonial, acabaram por ir parar aos Açores, para as tradicionais comissões de apoio à navegação. Passaram por S. Miguel, na 2ª Guerra, os contra-torpedeiros "Douro", "Dão", "Lima", "Tejo" e "Vouga"; depois do conflito, vieram os patrulhas de construção norte-americana, mais tarde os de origem francesa (alguns construídos em Portugal) e, finalmente, estes da classe "Cacine" - até à chegada das corvetas que ainda mantém a presença da Marinha de Guerra nos Açores.
Estes "Cacines", de menor tonelagem, sofriam ainda mais do que os patrulhas de modelos anteriores, nomeadamente quanto o tempo de serviço apanhava o período de Inverno...passando por situações que, julgo, mereceriam um trabalho de recolha e divulgação, à altura dos tormentos que enfrentaram..
Nas memórias que guardo de episódios no mar, em S. Miguel, recordo uma saída de um patrulha (dos americanos), no dia após o naufrágio do navio-escola alemão federal "Pamir", em Setembro de 57, quando ainda não se sabia que 80 tripulantes e cadetes tinham desaparecido naquele terrível acidente, (salvaram-se apenas 6) provocado por um ciclone, com forte ajuda de uma carga de cereais, embarcada a granel, ao contrário do que era habitual (usava-se ensaca-los, para a viagem da Argentina para a RFA), e que "correu", devido à ondulação, desequilibrando o veleiro.
Ouvindo a sirene do patrulha, que chamava a guarnição de folga, corri para junto da costa, no Estradinho, próximo de Sta.Clara, para ver o que ia passar-se... e, de facto, assisti à impressionante luta do navio com o mar, transformado quase que num submarino, as ondas entrando pela proa e cobrindo, totalmente, o patrulha... que desaparecia depois na cava da vaga, até ao topo do mastro... para, uma "eternidade" depois, lá subir, de novo, mas lentamente, ..enfim, uma cena que levava a pensar que aquilo ia acabar da pior maneira..Pouco depois, e ainda antes do farol de Sta. Clara, percebeu-se que estavam a tentar voltar a P. Delgada e, a muito custo, conseguiram virar de bordo e regressar ao porto, felizmente.
No Inverno, as coisas eram tão complicadas que cheguei a ver, noutra ocasião, um oficial da guarnição, amigo de um grupo de micaelenses, a dizer-nos, na Avenida Marginal, e ouvindo a chamada para bordo, que não embarcava.. Para sorte dele, a saída, nocturna, para uma evacuação médica na ilha das Flores - mais de 150 milhas, desde S. Miguel - foi cancelada, devido às terríveis condições do mar..
Sofreram muito esses homens, que eram "pau para toda a obra", num tempo em que seis das nove ilhas dos Açores não tinham Aeroporto e em que a Armada, na circunstância, era o recurso possível.
Bem mereciam que alguém se lembrasse de os homenagear pelos serviços prestados em tão difíceis condições.

Saudações marinheiras

João Coelho
Texto de João Coelho /Photo copyright L.M.Correia. For other posts and images, check our archive at the right column of the main page. Click on the photos to see them enlarged. Thanks for your visit and comments. Luís Miguel Correia

3 comments:

joão coelho said...

Obrigado pela inserção, LMC. Aproveito para voltar a falar um pouco mais do "Pamir" afundado em 1957, a 600 milhas a Sudoeste dos Açores, como consequência do ciclone "Carrie", que começara como uma depressão, na costa ocidental de África e que depois de parecer dirigir-se para as Caraíbas, alterou o rumo para Norte e depois para Este, apanhando o navio-escola da Marinha Mercante, que saíra a 10 de Agosto de Buenos Aires para a Alemanha (então RFA), com uma carga de 3 mil tons. de cereais.
O afundamento do "Pamir" foi um choque enorme na época; dos 86 homens a bordo, 52 eram cadetes da Marinha de Comércio - jovens entre os 18 e os 20 e poucos anos - e só se salvaram 6 - 4 marinheiros e 2 cadetes.
O naufrágio deu-se a 21 de Setembro e a última mensagem, um SOS, emitida às 11 horas locais dizia: "forte furacão, todas velas perdidas, 45 graus de inclinação, perigo de afundamento". Durante 9 dias, cerca de meia centena de navios e aviões de 13 países efectuaram buscas; a 24 de Setembro encontraram-se 5 náufragos, a 25, o último. Um outro tripulante ficara internado em Buenos Aires devido a uma queda no navio, escapando à tragédia.
Os episódios à volta do "Pamir" são inúmeros e controversos; durante anos procurei conhecer o Relatório oficial sobre a tragédia, sem resultado...
Em 1997, nos 40 anos do afundamento, ainda consegui falar, ao telefone, com alguns dos sobreviventes, mas, ao saberem ao que ia, todos se calaram.
Certo é que o comandante na fatídica viagem era um substituto do habitual, retido na Alemanha, e com muito menor experiência; a carga, devido a uma greve de estivadores na Argentina e à consequente necessidade de recuperar tempo, fora embarcada a granel e não ensacada, como se fizera até então, e "correu" devido à forte ondulação.. os tanques de lastro não foram cheios, para compensar a gradual inclinação para bombordo; as escotilhas não foram fechadas, permitindo a entrada do mar..e depois, dizia-se que o comandante terá querido manter o "pano" em cima, até ao limite, para ganhar mais velocidade..
Outro ponto estranho teve a ver com o número de mortos: soube-se pelos sobreviventes que cerca de 30 homens terão estado vivos, na água, durante algum tempo..para desaparecerem, afogados, até restarem os 6 que se salvaram. Especialistas perguntaram,na época (entre eles, Alan Bombardier, o célebre náufrago voluntário) como fora possível que jovens, na força da idade, bem alimentados e preparados fisicamente, tinham sucumbido tão rápidamente, e só viam o pânico e a falta de auto-controlo, como explicação. A Marinha de Guerra alemã, que tinha tradição no uso de navios-escola, ponderou abandonar essa práctica, mas acabou por continuá-la, reforçando as condições de segurança do "Gorch Fock". A Marinha de comércio perdeu uma geração de profissionais, e o "Passat", quase gémeo do "Pamir", foi transformado em museu flutuante, estático. Dos restantes navios, construídos pelo célebre armador alemão Laeisz em grupo (os 8 irmãos) sobreviveram, para além do "Passat", o "Peking", que está em South Street Seaport, em N.York (que lugar maravilhoso!), o "Pádua", que é o actual "Kruzenstern" (russo) e o "Pomern", também museu na Alemanha.
Este armador gostava de baptizar os seus navios com nomes começados por P, e daí que fossem conhecidos pelos " Flying P's "...
Nos Açores a noticia espalhou-se rápidamente, primeiro sobre um navio em dificuldades, depois já sobre o seu desaparecimento..tendo o temporal, provocado pelo "rabo" do "Carrie" marcado presença no Arquipélago.
Em P.Delgada, estava o "Lima" e um dos "Carvalhinhos" ("Arnel" ou "Cedros, não sei qual). Apesar do reforço das amarrações, o "Lima" viu os cabos da popa rebentarem com a força do vento e das vagas que saltavam o molhe e rodou, com muita sorte, sobre si próprio, ficando com a proa apontada a poente...o "Carvalhinho", pelo sim, pelo não, largou amarras e fundeou a meio do porto, com os dois ferros largados e máquina a trabalhar, de proa ao vento, e a carga que estava em cima do cais,(caixotes, bidons de 200 lts, etc) foi à água. Em terra voaram telhas, caíram árvores e muros..
Um dos patrulhas da Armada em comissão nos Açores, tentou uma saída de busca e salvamento, mas desistiu..e teve sorte em conseguir regressar a salvo ao porto (julgo que da guarnição fazia parte o mais tarde Contra-Almirante Conceição e Silva, um apaixonado pela vela) e da Base das Lages, o primeiro avião a descolar, mesmo abaixo dos limites, (os americanos ficaram no chão, esperando por melhores condições) foi um PV2, de luta anti-submarina, da nossa Força Aérea,da Base do Montijo, que estava na Terceira em voo de treino..
Foi, de facto, um choque enorme, tão grande que ainda hoje a palavra "Pamir" tem, para mim, e por certo, para muita gente que viveu esse tempo, um sentido profundo de tragédia.
Na Alemanha, o naufrágio foi recordado, o ano passado, com um filme realizado pela Televisão pública, transmitido depois pelo canal franco-alemão ARTE.
Um abraço, LMC. Desculpe a extensão do relato - mesmo assim, tentei síntetizar - mas a "culpa" é sua...

Saudações atlânticas

João Coelho

LUIS MIGUEL CORREIA said...

Um dos grandes dramas do Atlântico Norte, o desaparecimento do PAMIR. Um de muitos, que me faz recordar o desaparecimento de outro navio alemão, o MUNCHEN, da companhia Hapag-Lloyd, em Dezembro de 1978, quando navegava próximo dos Açores, em viagem de Bremerhaven para Savannah. Era um grande navio do tipo LASH (porta-barcaças), construído na Bélgica em 1972, com 261,42 m de comprimento ff e 43.895 toneladas de porte bruto. A 12-12-1978 fez um pedido de socorro e desapareceu com toda a tripulação de 28 elementos. Apareceram alguns destroços, entre os quais uma bóia encontrada pelo HORTA, então já da CTM. A bóia foi enviada para a Alemanha e depois a Hapag-Lloyd escreveu a agradecer...

joão coelho said...

Desculpe, LMC, uma pequena correção.
O Alain não era Bombardier, mas sim Bombard (o "chip" estava virado para os aviões).
Médico e biologista, impressionado pela forma como muita marinhagem morria no mar, quis mostrar como era possível sobreviver no oceano, com um minímo de recursos.
Em 19 de Outubro de 1952 saiu para o mar num "Zodíac" insuflável,a que chamou "Herético",equipado com uma pequena vela, um anzol feito por ele, uma rede para apanhar plancton e um sextante. Durante a viagem,bebia pequenas quantidades de água do mar, diáriamente, recolhia plancton com a rede,que comia, mais algum peixe que conseguia apanhar ou que saltava para o insuflável. Depois de 65 dias, chegou a Barbados em 23 de Dezembro de 1952, com 4.400 kms navegados, e menos 25 kgs de peso..
Em 1958 publicou "Naufrago voluntário", relatando a experiência. Morreu em 2005.
Conhecia o episódio do "Munchen", não sabia da relação entre ele e o "Horta"..Estamos sempre a aprender.
Obrigado

Saudações marinheiras

João Coelho