Os minutos que precedem a alvorada na cidade de Lisboa vistos a partir do Tejo são verdadeiramente sublimes, em especial nesta fase do ano em que o Sol nasce pelas seis da manhã quando ainda impera um silêncio que pouco depois é anulado pelos ruídos múltiplos da actividade humana e citadina.
A essa hora a ponte pedonal da Rocha do Conde de Óbidos está ainda aberta com sinal verde para a navegação que hoje se resume essencialmente a embarcações de recreio ou turísticas de tráfego local. Mesmo com luz verde já não há navios para entrar na Doca de Alcântara, a qual em 1957 recebeu o gigantesco VERA CRUZ por uma única vez.
O rio espelha toda a tranquilidade de mais um nascer do dia, começa o movimento na ponte e a jusante da Torre de Belém já se distingue um grande paquete que uma hora mais tarde irá atracar a Santa Apolónia.
Os primeiros raios de sol pintam de dourado o casario de Cacilhas e o seu Pontal. Começa a dança fluvial dos Cacilheiros para o Cais do Sodré.
A navegação não pára, os navios sobem a Barra e vão emprestando vida e movimento ao Porto de Lisboa que não é nada sem a presença destas criaturas caprichosas e belas viciadas em navegações e que já aproaram mais ao Tejo do que nos dias que vão correndo. Com mais ou menos navios, com cada sol repete-se a magia marítima que Fernando Pessoa registou de forma tão magistral recorrendo ao sentido poético de Álvaro de Campos:
ODE MARÍTIMA
Sozinho, no cais deserto, a esta manhã de Verão,
Olho pró lado da barra, olho pró Indefinido,
Olho e contenta-me ver,
Pequeno, negro e claro, um paquete entrando.
Vem muito longe, nítido, clássico à sua maneira.
Deixa no ar distante atrás de si a orla vã do seu fumo.
Vem entrando, e a manhã entra com ele, e no rio,
Aqui, acolá, acorda a vida marítima,
Erguem-se velas, avançam rebocadores,
Surgem barcos pequenos detrás dos navios que estão no porto.
Há uma vaga brisa.
Mas a minh'alma está com o que vejo menos.
Com o paquete que entra,
Porque ele está com a Distância, com a Manhã,
Com o sentido marítimo desta Hora,
Com a doçura dolorosa que sobe em mim como uma náusea,
Como um começar a enjoar, mas no espírito.
Olho de longe o paquete, com uma grande independência de alma,
E dentro de mim um volante começa a girar, lentamente.
Os paquetes que entram de manhã na barra
Trazem aos meus olhos consigo
O mistério alegre e triste de quem chega e parte.
Trazem memórias de cais afastados e doutros momentos
Doutro modo da mesma humanidade noutros pontos.
Mais ODE MARÍTIMA aqui...
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