Friday, February 08, 2008

O Patrulha " Funchal " rebaptizado " Maio "

Foi nos primeiros tempos dos bancos do liceu que me comecei a interessar pela Armada, interesse que nunca parou de crescer.

O navio-patrulha "Funchal" a navegar, ainda com o seu primeiro nome.
Assinante e coleccionador da Revista de Marinha, (de que era director o insigne jornalista Maurício de Oliveira), e depois da Revista da Armada, desde o seu lançamento, recordo-me que o que nelas lia, em primeiro lugar, eram as notícias que se referiam ao aparecimento de novas unidades navais destinadas à Armada Nacional.
Sempre me interessei muito pelos nomes que eram atribuídos aos navios e quando surgia uma nova classe tentava, a partir do nome da primeira unidade, adivinhar os nomes dos seguintes, como no caso dos oito draga-minas costeiros da classe "Ponta Delgada" e dos quatro da classe "S. Roque", das dez LFG da classe "Argos", dos quatro draga-minas oceânicos da classe "S. Jorge" e das várias classes de navios-patrulha, lanchas de fiscalização etc.
Assim, quando, lá por 1954, chegou ao meu conhecimento que a Armada Portuguesa iria ser dotada de novos navios-patrulha, de tipo francês, semelhantes aos seis de proveniência norte-americana que na nossa Marinha tinham os nomes: "Príncipe", "Santiago", "Sal", "S. Tomé", e "S. Vicente", logo calculei que seriam também baptizados com nomes de ilhas portuguesas.
Fiquei pois muito surpreendido quando vim a saber que os três navios-patrulha que tinham sido construídos em estaleiros franceses, e que chegaram ao Tejo no dia 19 de Janeiro de 1956, tinham recebido os nomes de "Funchal", "Porto Santo" e "S. Nicolau". Quanto aos dois últimos tudo bem, pois tinham-lhes sido atribuídos nomes de ilhas mas o primeiro, porquê baptizá-lo com o nome de uma cidade uma vez que havia ainda disponíveis nomes de várias ilhas portuguesas?
Quando fiquei a saber que os dois navios-patrulha da mesma classe construídos nos Estaleiros Navais de Viana do Castelo foram baptizados "Brava" e "Fogo", que o construído nos Estaleiros Navais do Mondego se chamava "Boavista" e os dois construídos no Arsenal do Alfeite tinham recebido os nomes de "Santo Antão" e "Santa Luzia" todos os cinco nomes de ilhas do arquipélago de Cabo Verde, ainda mais estranhei que o primeiro dos oito se chamasse "Funchal" e que nove das dez ilhas cabo-verdianas tivessem dado o nome a navios-patrulha da nossa Armada tendo ficado de fora apenas a ilha de Maio. Em face disto, decidi escrever ao Ministro da Marinha manifestando a minha discordância e apresentando um nome alternativo para o único dos catorze navios-patrulha portugueses, (seis do tipo norte-americano PC da segunda guerra mundial e oito do tipo francês "Le Fougueux"), que fora baptizado com o nome de uma cidade: o "Funchal".
Pensando que tal sugestão partindo de um jovem, Terceiro piloto da Marinha Mercante pouco peso teria, resolvi enviá-la em nome de "um grupo de habitantes do arquipélago de Cabo Verde", "obscuros amigos da Marinha", achando que assim teria muito mais impacte e expedi a carta da cidade da Praia, pois dava-se a circunstância de desempenhar as funções de Terceiro piloto a bordo do cargueiro "Ambrizete", da Sociedade Geral, que nas suas viagens a Angola escalava portos do arquipélago de Cabo Verde.
Imagine-se, pois, a minha satisfação, ampliada pelo facto de, à data, ser um jovem de vinte e poucos anos, quando alguns meses mais tarde, ao receber no meu domicílio um novo número da Revista de Marinha li qualquer coisa como: navio-patrulha "Maio" ex "Funchal". Pode-se dizer que "embandeirei em arco", autenticamente, mas de súbito fui assaltado por uma dúvida: e se tivessem sido outras pessoas a terem tido a mesma ideia que eu?
Para ter a certeza, a cem por cento, que a mudança do nome para "Maio" tinha sido, de facto, consequência da minha carta fui perguntar a um primeiro-tenente que eu conhecia, que prestava, então serviço no Estado-Maior da Armada, (encontra-se hoje reformado no posto de capitão-de-mar-e-guerra), o qual me deu a seguinte resposta: Chegou cá uma carta escrita por "uns maduros" de Cabo Verde a pedir ao Ministro para mudar o nome do navio-patrulha de "Funchal" para "Maio" e ele fez-lhes a vontade.
Obviamente que não confessei que "os maduros" era eu mas fiquei satisfeito por ter a certeza que a minha carta obtivera o seu objectivo.
O navio-patrulha "Maio" depois de rebaptizado, fundeado em S. José de Ribamar.
Eis o teor:

Cidade da Praia, 15 de Novembro de 1957
Ex.mº Senhor
Ministro da Marinha
LISBOA
Excelência
É mui grato prazer para nós, obscuros amigos da Marinha cujos nomes nada vos diriam, termos oportunidade de saudar o prestigioso e insigne chefe supremo da Armada Nacional, desejando que por muito mais tempo continueis na chefia da gloriosa corporação que tem a honra e a felicidade de há mais de treze anos vos ter à frente dos seus destinos, onde tendes sabido, com tanta competência e zelo, alcançar a elevada finalidade que a vós próprio vos impusestes: - A VOLTA DE PORTUGAL AO MAR, o que hoje, felizmente, já vai sendo uma consoladora realidade.
Pedindo mil desculpas por vos virmos importunar, roubando-vos do vosso, certamente, precioso tempo e agradecendo a vossa bondade que vos levou a ler-nos até aqui, passamos a expor o assunto que até vós nos trouxe:
Possui a Nação Portuguesa catorze ilhas atlânticas, além das dos Açores, e por singular coincidência possui, presentemente, a Armada Nacional catorze unidades com a classificação de navios-patrulhas, (os seis PC ex-americanos e os oito modernos escoltadores costeiros de tipo francês, três construídos em França e cinco em estaleiros portugueses). Verifica-se, porém, um caso insólito: enquanto que treze daqueles navios têm os nomes de treze daquelas catorze ilhas, há um décimo quarto navio, o P 587, que se chama "Funchal" enquanto que há uma décima quarta ilha, a de Maio, que não tem o seu nome representado na Armada.
Não seria mais lógico que os catorze navios-patrulhas da Armada Portuguesa ostentassem os nomes das catorze ilhas dos arquipélagos de Madeira e Porto Santo, de Cabo Verde e de S. Tomé e Príncipe, tanto mais que já existe um navio-patrulha, o P582, com o nome de "Madeira" onde, por assim dizer, já está incluído o de Funchal?
Ainda se está a tempo de remediar este lapso, bastando para isso rebaptizar o P587 com o nome de "Maio", à semelhança do que em 25 de Outubro de 1955 se fez, e muito bem, com o P581 anteriormente chamado "Flores" e que passou a chamar-se "Príncipe", uma vez que os nomes das ilhas dos Açores têm sido usados para baptizar os modernos draga-minas oceânicos de procedência norte-americana e anteriormente os antigos draga-minas de casco metálico de classe "Faial", recentemente reclassificados caça-minas.
Renovando as nossas desculpas e desejando-vos, senhor ministro, as maiores felicidades e prosperidades bem como à vossa Corporação, subscrevemo-nos com a mais elevada consideração.
Um grupo de habitantes do arquipélago de Cabo Verde

Como consequência, a alteração do nome ocorreu no dia 4 de Dezembro de 1957, encontrando-se o navio, atracado ao cais, no Porto de Ponta Delgada, sendo por despacho do Ministro da Marinha, daquela data, que o navio-patrulha "Funchal" se passou a denominar "Maio".
José Ferreira dos Santos
Capitão da Marinha Mercante
Artigo do nosso Amigo Cte. José Ferreira dos Santos, publicado na REVISTA DA ARMADA de Maio de 2000, reproduzida da Revista da Armada "on-line" com a devida vénia...

1 comment:

Raquel Sabino Pereira said...

Ah!!... (não tenho mais palavras, estou profundamente encantada!!!!!)