Sunday, June 29, 2008

PAMIR RECORDADO POR JOÃO COELHO

Mais um testemunho de leitura obrigatória do nosso Amigo João Coelho. As fotografias são de um navio-escola ex-alemão, do tempo e tamanho do malogrado PAMIR, o SEDOV, fotografado em Lisboa a 12 de Abril de 2008
Aproveito para voltar a falar um pouco mais do "Pamir" afundado em 1957, a 600 milhas a Sudoeste dos Açores, como consequência do ciclone "Carrie", que começara como uma depressão, na costa ocidental de África e que depois de parecer dirigir-se para as Caraíbas, alterou o rumo para Norte e depois para Este, apanhando o navio-escola da Marinha Mercante, que saíra a 10 de Agosto de Buenos Aires para a Alemanha (então RFA), com uma carga de 3 mil tons. de cereais.
O afundamento do "Pamir" foi um choque enorme na época; dos 86 homens a bordo, 52 eram cadetes da Marinha de Comércio - jovens entre os 18 e os 20 e poucos anos - e só se salvaram 6 - 4 marinheiros e 2 cadetes.
O naufrágio deu-se a 21 de Setembro e a última mensagem, um SOS, emitida às 11 horas locais dizia: "forte furacão, todas velas perdidas, 45 graus de inclinação, perigo de afundamento". Durante 9 dias, cerca de meia centena de navios e aviões de 13 países efectuaram buscas; a 24 de Setembro encontraram-se 5 náufragos, a 25, o último. Um outro tripulante ficara internado em Buenos Aires devido a uma queda no navio, escapando à tragédia.
Os episódios à volta do "Pamir" são inúmeros e controversos; durante anos procurei conhecer o Relatório oficial sobre a tragédia, sem resultado...
Em 1997, nos 40 anos do afundamento, ainda consegui falar, ao telefone, com alguns dos sobreviventes, mas, ao saberem ao que ia, todos se calaram.
Certo é que o comandante na fatídica viagem era um substituto do habitual, retido na Alemanha, e com muito menor experiência; a carga, devido a uma greve de estivadores na Argentina e à consequente necessidade de recuperar tempo, fora embarcada a granel e não ensacada, como se fizera até então, e "correu" devido à forte ondulação.. os tanques de lastro não foram cheios, para compensar a gradual inclinação para bombordo; as escotilhas não foram fechadas, permitindo a entrada do mar..e depois, dizia-se que o comandante terá querido manter o "pano" em cima, até ao limite, para ganhar mais velocidade..
Outro ponto estranho teve a ver com o número de mortos: soube-se pelos sobreviventes que cerca de 30 homens terão estado vivos, na água, durante algum tempo..para desaparecerem, afogados, até restarem os 6 que se salvaram. Especialistas perguntaram,na época (entre eles, Alan Bombardier, o célebre náufrago voluntário) como fora possível que jovens, na força da idade, bem alimentados e preparados fisicamente, tinham sucumbido tão rápidamente, e só viam o pânico e a falta de auto-controlo, como explicação. A Marinha de Guerra alemã, que tinha tradição no uso de navios-escola, ponderou abandonar essa práctica, mas acabou por continuá-la, reforçando as condições de segurança do "Gorch Fock". A Marinha de comércio perdeu uma geração de profissionais, e o "Passat", quase gémeo do "Pamir", foi transformado em museu flutuante, estático. Dos restantes navios, construídos pelo célebre armador alemão Laeisz em grupo (os 8 irmãos) sobreviveram, para além do "Passat", o "Peking", que está em South Street Seaport, em N.York (que lugar maravilhoso!), o "Pádua", que é o actual "Kruzenstern" (russo) e o "Pomern", também museu na Alemanha.
Este armador gostava de baptizar os seus navios com nomes começados por P, e daí que fossem conhecidos pelos " Flying P's "...
Nos Açores a noticia espalhou-se rápidamente, primeiro sobre um navio em dificuldades, depois já sobre o seu desaparecimento..tendo o temporal, provocado pelo "rabo" do "Carrie" marcado presença no Arquipélago.
Em P.Delgada, estava o "Lima" e um dos "Carvalhinhos" ("Arnel" ou "Cedros, não sei qual). Apesar do reforço das amarrações, o "Lima" viu os cabos da popa rebentarem com a força do vento e das vagas que saltavam o molhe e rodou, com muita sorte, sobre si próprio, ficando com a proa apontada a poente...o "Carvalhinho", pelo sim, pelo não, largou amarras e fundeou a meio do porto, com os dois ferros largados e máquina a trabalhar, de proa ao vento, e a carga que estava em cima do cais,(caixotes, bidons de 200 lts, etc) foi à água. Em terra voaram telhas, caíram árvores e muros..
Um dos patrulhas da Armada em comissão nos Açores, tentou uma saída de busca e salvamento, mas desistiu..e teve sorte em conseguir regressar a salvo ao porto (julgo que da guarnição fazia parte o mais tarde Contra-Almirante Conceição e Silva, um apaixonado pela vela) e da Base das Lages, o primeiro avião a descolar, mesmo abaixo dos limites, (os americanos ficaram no chão, esperando por melhores condições) foi um PV2, de luta anti-submarina, da nossa Força Aérea,da Base do Montijo, que estava na Terceira em voo de treino..
Foi, de facto, um choque enorme, tão grande que ainda hoje a palavra "Pamir" tem, para mim, e por certo, para muita gente que viveu esse tempo, um sentido profundo de tragédia.
Na Alemanha, o naufrágio foi recordado, o ano passado, com um filme realizado pela Televisão pública, transmitido depois pelo canal franco-alemão ARTE.
Um abraço, LMC. Desculpe a extensão do relato - mesmo assim, tentei síntetizar - mas a "culpa" é sua...

Saudações atlânticas,

João Coelho
Texto de imagens de LMCorreia. For other posts and images, check our archive at the right column of the main page. Click on the photos to see them enlarged. Thanks for your visit and comments. Luís Miguel Correia

4 comments:

amg said...

Caro Correia:
Por oposição á descrição do João Coelho, transcrevo parte de um artigo da Revista da Armada sobre o mesmo assunto:
«(../..) Desse período de permanências nas missões de busca e salvamento nos Açores, recordo três situações características que me impressionaram profundamente, se bem que por motivos diferentes:
Em Setembro de 1957, o “Príncipe” estava em S. Miguel, de alerta, durante o aparecimento nos Açores do fortíssimo ciclone “Carrie” que tinha atravessado o Atlântico e chegava, agora, vindo de SW.
O espectáculo da rebentação das enormes vagas oceânicas levantadas pelo vento ciclónico contra o molhe do Porto de Ponta Delgada, ultrapassando-o a enorme altura, tinha já atraído grande número de populares que, ao longo da marginal, mais ou menos protegidos pelos edifícios, apreciavam aquela magnífica demonstração de fúria da Natureza. Existiam já prejuízos, tanto na cidade, com árvores arrancadas, vidros partidos, telhas levantadas, como no próprio porto onde duas pequenas embarcações, provavelmente menos bem amarradas, tinham vindo embater na muralha interior, junto á marginal, empurradas pelas ondas alterosas, ficando com os cascos danificados.
Alguns elementos da guarnição estavam em terra. A posição, perfeitamente segura, em que os Patrulhas se encontravam, atracados ao molhe interior, não era de molde a exigir a permanência de todo o pessoal a bordo numa tal situação.
Estando em terra a fotografar o espectáculo, lembro-me do espanto que senti quando comecei a ouvir os intermitentes apelos do sinal sonoro do navio. Uma saída com tal estado do tempo e mar era pura locura! Regressei depressa a bordo para ficar a saber que um navio escola da Marinha Mercante Alemã, o “Pamir”, irmão gémeo do “Passat”, grandes veleiros de quatro mastros que faziam escala entre a América do Sul e Hamburgo, estava em situação muito difícil, a mais de seiscentas milhas náuticas a SW dos Açores.
Enviara uma mensagem rádio aflitiva: “4 masted barque Pamir in severe hurricane – position 35º 57`N, 40º 20`W – all sails lost – 45º list – ship is taking water – danger of sinking”. Havia que (tentar...) ir ao seu encontro o mais depressa possível.
Rápidamente se iniciou a faina e, em menos de um quarto de hora, o navio estava pronto para partir. Á cautela, determinei a todo o pessoal que envergasse os coletes salva-vidas, medida talvez exagerada que poderia criar desnecessária apreensão na guarnição, facto para o qual me alertou o Comandante. Mas, face ao que se seguiria, talvez não tivesse sido assim tão despropositada...
O alerta não tinha sido ouvido só pela guarnição.
A demonstrá-lo estava a aglomeração de povo que se juntara na marginal para ver, agora, um espectáculo muito mais fascinante: como é que o pequeno Patrulha ia conseguir vencer aquele mar alteroso? O Comandante Sacramento Monteiro não era homem para hesitações.
Manda máquinas a toda a força avante e o “Príncipe”, após dobrar a ponta do molhe, transforma-se em submarino mas, com tal intensidade, que, a continuar assim, o desfecho não era difícil de imaginar, a transformação seria definitiva! Depois de três caturradelas com o mar pela proa, cada uma mais violenta que a anterior, só havia uma coisa a fazer e foi o que fez o Comandante: meia força avante e para a frente... Mas era, infelizmente, uma missão condenada ao insucesso. Ao fim de dois dias, com o navio e a guarnição duramente castigados, chega-nos a triste mensagem do Comando Naval: o “Pamir” afundara-se mesmo e, dos 86 tripulantes a bordo, dos quais 52 eram jóvens cadetes e aprendizes de marinheiro, apenas 6 sobreviveriam, depois de prolongado sacrifício, até serem, finalmente, recuperados. Nós regressaríamos a Ponta Delgada, agora com o mar pela popa e em metade do tempo! (../..)»

Deixo-lhe a referência do artigo completo em:
http://www.marinha.pt/revista/index.asp?revista=ra_ago2007/default.html
onde existe uma referência importante: 9º volume da publicação “Setenta e Cinco Anos no Mar” do Com.te Sousa Mendes (ao tempo no Comando da Defesa Marítima dos Açores)

Mas num ponto estou de acordo: falta uma obra que retrate todo ou a maioria das acções SAR da Marinha e caso se julgue oportuno, o sofrimento de guarnições de navios como este ... idem para a FAP
Não é por acaso que a maior inclinação registada (70 graus, ao que julgo) foi obtida por uma fragata nos Açores numa acção SAR durante os anos 40...
cumptos
amg

joão coelho said...

A minha memória guarda o regresso do patrulha a P.Delgada pouco depois da saída; provávelmente sobrepus outra situação de temporal forte a esta do "Pamir"..mas estamos de acordo, foi um valente mau bocado...
Já agora, por "oposição" a AMG, acrescento que a acção SAR dos anos 40 foi desempenhada,não por uma fragata, mas pelo contra-torpedeiro "Lima" que, em 30 de Janeiro de 1943 saiu de P.Delgada para socorrer dois navios norte-americanos torpedeados, o "City of Flint" e o "Julia Ward Howe", a 340 milhas a Sudoeste de S.Miguel. Sob o comando do então capitão-tenente Sarmento Rodrigues, foram salvos 118 náufragos. O "Lima", navegando sob temporal, atingiu, em dada altura, uma inclinação de 67 graus..e a lenda dizia que o navio recuperou a estabilidade porque os náufragos, em reacção natural ao enorme balanço, terão corrido para o bordo oposto, ajudando a recompor o equilibrio do contra-torpedeiro..
A acção do "Lima" recebeu louvores escritos das autoridades norte-americanas e dos sobreviventes dos dois navios.
O depois Almirante Sarmento Rodrigues, figura distinta da Marinha de Guerra, tem uma rua com o seu nome, na freguesia do Beato, em Lisboa, desde 2005.

Saudações marinheiras

joão coelho said...

Um "acrescento", ainda a propósito do que escreve amg. Lembrar a Força Aérea e, antes dela a Aviação Naval - a FAP, como se sabe, só foi constituída em 1952. A Aviação Naval que também esteve nos Açores (em S.Miguel) durante a 2ª Guerra com os anfibios Grumman Widgeon, prestou relevantes serviços na busca e salvamento de navios atacados no Atlântico pelos submarinos alemães e italianos. Um episódio de salvamento envolveu o comandante Malheiro do Vale,mais tarde Almirante, já falecido, e integrou a busca de náufragos de um navio torpedeado, numa missão efectuada desde Lisboa e que encontrou a baleeira com sobreviventes já no limite das possibilidades operacionais do avião. Outro episódio, ocorrido já nos anos 60, envolveu um outro anfibio - Grumman Albatross - da Base das Lajes - e que tinha na tripulação, como piloto Rangel de Lima (mais tarde General). O pedido de ajuda partiu de uma flotilha de navios de desembarque alemães federais, em viagem dos EUA para a RFA e envolvia um tripulante com apendicite aguda, que precisava de ser operado, com urgência. O avião saiu com médico a bordo e já na zona de amaragem percebeu-se que as condições eram más, devido à ondulação; mesmo assim, decidiram amarar,o avião não resistiu às pancadas do mar e afundou-se; a tripulação conseguiu safar-se e, recolhida a bordo do navio, conseguiu operar o marinheiro, em condições precárias (numa mesa da cozinha) salvando-lhe a vida. Os alemães louvaram os portugueses pelo acto de bravura cometido, e o Governo da então RFA ofereceu à FAP um anfibio Albatross para substituir o que se perdera.

Mais saudações

J.Coelho

Sandrinha von Lutzow said...

Boa noite Joao,
gostaria de saber mais sobre esse navio, mau avo foi tripulante dele,
e eu gostaria de descobrir sobre esse assunto. Vc poderia me enviar seu email?
Gostaria de te explicar o assunto, talvez voce tenha alguma informacao a respeito desse navio que possa me ajudar...
aguardo
Obrigada

Sandra von Lutzow