Até 1972 o recurso aos nossos navios de passageiros utilizados como transportes de tropas em regime de fretamento ao Ministério do Exército era corrente. Curiosamente a censura só permitia que a imprensa mencionasse os nomes dos navios nas notícias de regresso de tropas. As notícias de partidas referiam sempre "uma unidade da marinha mercante nacional". Assisti a muitas chegadas e partidas de transportes de tropas. Os navios mais utilizados, quase em regime permanente, eram o VERA CRUZ e o NIASSA. Mas muitos outros fizeram algumas viagens em regime de fretamento militar. A partir de 1972 os militares passaram a ser transportados em aviões Boeing 707 adquiridos para o efeito pelo Estado, o que se traduziu na retirada do serviço do VERA CRUZ e na sua venda um ano depois para sucata.
A excepção foi o transporte de militares para a Guiné que utilizou a via marítima até 1974, participando neste tráfego a partir de 1970 a Empresa Insulana de Navegação, com os paquetes CARVALHO ARAUJO e ANGRA DO HEROÍSMO, para além da CNN e CCN, como os navios NIASSA e UIGE.
Nos dias de chegadas ou partidas de navios com tropas o movimento era muito significativo nas estações marítimas. O acesso às varandas era então gratuito não se cobrando a taxa de 1 escudo habitual. A afluência de gente, verdadeira multidão era uma constante. À época não gostava de ver os navios a transportarem tropas, mas hoje reconheço que os mais de 600 mil militares transportados nos nossos paquetes de 1961 a 1974 foram um elemento importante na operação das frotas pelas companhias de navegação e provavelmente a actividade mais lucrativa associada aos paquetes. Para a história ficou o estigma da Marinha Mercante ao serviço da guerra do Ultramar, e entretanto, acabado o Ultramar, deixaram morrer a Marinha Mercante em poucos anos.
A título de curiosidade não deixa de ter graça a notícia do "passageiro" clandestino que resolveu seguir viagem no VERA CRUZ para Luanda em Agosto desse ano de 1965 e acabou por regressar à origem e fazer a viagem redonda no VERA CRUZ. O rapaz podia ao menos ter escolhido outro navio mais descontraído, logo um transporte de tropas.
Enfim, efemérides e histórias de há 50 anos que cheguei a presenciar.
O VERA CRUZ era uma das glórias da Marinha Mercante nacional. Foi construído para fazer a carreira do Brasil ao abrigo do Despacho 100 de 1945 e entrou ao serviço em 1952, fazendo nos primeiros anos de actividade além da carreira da América do Sul, também a linha da América Central a partir de 1954, diversos cruzeiros turísticos e algumas viagens especiais a Angola. A partir de Maio de 1961 o navio deixou a linha do Brasil e passou a servir como transporte de tropas, fazendo ainda viagens na carreira de Angola e alguns cruzeiros quando não era necessário no serviço de transportes militares.
O VERA CRUZ era gémeo do SANTA MARIA, entrado ao serviço no final de 1953, que fazia também as linhas das Américas do Sul e Central e foi igualmente vendido em 1973 para desmantelar na Formosa.
O ANA MAFALDA era o mais modesto dos quatro paquetes da carreira de Cabo Verde e Guiné construídos em Lisboa na década de 1950 para a Sociedade Geral: ALFREDO da SILVA, ANA MAFALDA, RITA MARIA e MANUEL ALFREDO. Estes navios derivavam do projecto do navio de carga ALEXANDRE SILVA, de 1943, depois melhorados com os gémeos ANTÓNIO CARLOS e CONCEIÇÃO MARIA. A Sociedade Geral pertencia ao Grupo CUF e dispunha da frota mais numerosa, constituída essencialmente por navios de carga, cujas excepções eram os paquetes mistos referidos acima e o AMÉLIA DE MELLO, comprado em 1966 para a carreira de Angola.
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Maquete do paquete VERA CRUZ de 1952, um navio imponente, de linhas modernas, construído na Bélgica em 1950-52 segundo projecto desenvolvido em 1949.
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