Monday, February 12, 2007

ACERCA DA VENDA DO SANTA MARIA


Porque é que o SANTA MARIA foi desmantelado com apenas 19 anos? - pergunta da Sailor Girl!
Por diversas razões.
A mais óbvia reside no facto de ninguém o ter querido comprar para continuar a operar.
A conjuntura era desfavorável a este tipo de navios. O SANTA MARIA tinha sido construído no início dos anos cinquenta segundo um projecto desenvolvido em 1949, com o objectivo expresso de fazer a linha regular Lisboa - Brasil. Grande parte dos alojamentos para os 1182 passageiros que o navio transportava destinavam-se ao transporte de emigrantes. Estes eram transportado em condições melhores do que noutros navios da época, mas na sua maioria em camaratas. Só os camarotes destinados aos 156 passageiros de Primeira Classe tinham casas de banho privativas e níveis de conforto compatíveis com os padrões esperados num navio de cruzeiros no início dos anos setenta. Havia depois camarotes para 226 passageiros em Segunda Classe sem casas de banho privativas e camarotes para 200 passageiros em Terceira Classe igualmente sem casas de banho. Havia ainda uma chamada Terceira Classe suplementar com capacidade para 600 passageiros alojados em camaratas.
Quando entrou em serviço em Novembro de 1953 o SANTA MARIA era um navio moderno, mas na década de sessenta construíram-se navios muito melhores, com predominância de classes turísticas, alguns com casas de banho privativas em todos os camarotes, e os navios contemporâneos do SANTA que sobreviveram foram gradualmente modernizados e adaptados às novas tendências do mercado. Isto só parcialmente se fez no SANTA MARIA, que em 1967 sofreu uma reconversão dos alojamentos dos emigrantes, sendo esses espaços aproveitados para novos camarotes de turística, com melhores condições.
A Companhia Colonial de Navegação era uma empresa virada essencialmente para as ligações Metrópole - África Portuguesa e nessas linhas ganhava dinheiro essencialmente no transporte de cargas e tropas. Os navios de passageiros maiores eram muito dispendiosos e provavelmente nunca ganharam dinheiro que se visse. O mesmo aconteceu com o FUNCHAL, único sobrevivente actual dessa frota de paquetes portugueses que em 1966 chegou a contar com 26 unidades.
O FUNCHAL só começou a ganhar dinheiro depois de ser vendido em 1985 ao armador George Potamianos.
Voltando ao SANTA MARIA, o empenho da Colonial na sua manutenção em serviço não era grande. A empresa estava autorizada a proceder à sua venda desde 1971 e quando no princípio de 1973 os custos com os combustíveis passaram a ser exorbitantes, a empresa aproveitou uma avaria técnica para retirar da carreira o navio e vendê-lo. De qualquer forma estava programada a retirada de serviço em Outubro de 1973.
Nessa época havia muitos navios semelhantes aos nossos ou melhores para venda, e a maior parte das frotas das companhias tradicionais com navios de passageiros vocacionados para os serviços de linha regular acabaram prematuramente nas mãos de sucateiros, ou foram salvos in-extremis para conversão para cruzeiros (caso do famoso FRANCE, imobilizado em França em Setembro de 1974 com apenas 12 anos de serviço activo e vendido em 1979 para a Noruega).
Houve casos de navios mais modernos e melhor equipados para cruzeiros que o SANTA MARIA que foram demolidos com menos anos de serviço. O caso mais flagrante foi o do paquete inglês NORTHERN STAR, construído em 1962 e que foi vendido para a sucata em 1975, com apenas 13 anos. Também mais ninguém o queria.
A lista de outros navios famosos subaproveitados e que nessa época acabaram na sucata é imensa. Praticamente toda a frota estatal italiana, por exemplo, a começar pelos super-famosos gémeos RAFFAELLO e MICHELANGELO, construídos em 1965 e que só navegaram 10 anos...
Na vida dos navios há também a considerar o factor sorte, como em tudo na vida. Um exemplo: a Canadian Pacific construiu dois navios gémeos de características semelhantes ao SANTA MARIA, o EMPRESS OF BRITAIN em 1956 e o EMPRESS OF ENGLAND em 1957. O primeiro ainda navega com exito e com as turbinas originais, apesar do custo elevado da sua exploração. O segundo foi vendido para a sucata em 1975 com apenas 17 anos de serviço, apesar de três anos antes o armador ter gasto uma fortuna na sua reconversão para cruzeiros.
Na época havia a ideia firme de que os grandes paquetes eram uma extravagância do passado. Os que pensavam assim desapareceram quase todos, pois os cruzeiros tiveram um crescimento explosivo a partir de 1970 e só os empresários de visão beneficiaram com este mercado. Podia ficar aqui a escrever o resto do dia acerca da venda do SANTA MARIA...
Luís Miguel Correia
Fotografias da colecção LMC: postal do navio segundo pintura de Gordon Ellis, e imagem feita no Funchal pelos antigos fotógrafos Perestrellos - 12 Fevereiro 2007

9 comments:

PauloMestre said...

A lista é interminável... os anos 70 foram terríveis para os navios de passageiros clássicos.

Quantas e quantas unidades desapareceram sem dó nem piedade: da frota original da P&O-Orient Line só sobraram os CANBERRA e o ORIANA, navios como o ORSOVA ou o IBERIA foram demolidos e tinham a mesma idade do SANTA MARIA.

O mais crítico foi a requintada frota da Italia, de todos só sobrou o GUGLIELMO MARCONI/GALILEO GALILEI, e só porque a Costa/Chandris gastaram largos milhões a adapta-los.

Paulo Mestre

PauloMestre said...

Às vezes não é preciso olhar para tão longe nas questões de sorte: O AMELIA DE MELLO foi vendido e recondicionado para cruzeiros, e manteve-se a prestar bons serviços até à bem poucos anos.
O ANGRA DO HEROÍSMO saiu da Insulana directamente para a sucata.

Paulo mestre

Raquel Sabino Pereira said...

Inacreditável.
L M Correia: publique-me isto. A bem do conhecimento da verdade da história.

LUIS MIGUEL CORREIA said...

Paulo,

Da frota de paquetes de longo curso do grupo estatal italiano FINMARE, só restam o antigo AUGUSTUS, da Itália, praticamente inalterado, o AUSONIA da Adriatica, o VICTORIA do Lloyd Triestino e o SAN GIORGIO (Adriatica).
O aproveitamento dos principais paquetes da Finmare mostrou-se dificil porque os navios foram projectados para operarem com subsídios do estado Italiano e eram unidades de exploração muito cara. Quiando a partir de 1975 se fechopu a torneira dos subsídios, os paquetes acabaram todos...

LUIS MIGUEL CORREIA said...

Sailor Girl,

Estão em diversas fases de preparação diversos livros novos sobre os navios portugueses...

Raquel Sabino Pereira said...

Que bom! Resta-nos esperar, i m p a c i e n t e m e n t e ...

LUIS MIGUEL CORREIA said...

Há três livros grandes, em formato A4, como os CACILHEIROS e os CAIS E NAVIOS, com saídas previstas para Maio, Setembro e Novembro... Pelo meio haverá pelo menos mais um livro da série LINER BOOKS...
Entretanto, tenho muito trabalho pela frente...
Obrigado pelo entusiasmo e interesse.

LMC

PauloMestre said...

Luis, isso são boas novidades!
Venham mais desses bons livros, que a malta fica já aqui a salivar por eles... mas não para cima deles, que dá-se cabo do material ;)

Paulo Mestre

LUIS MIGUEL CORREIA said...

Paulo,
Vou fazendo o que posso. Então em dias como o de hoje, em que só se está bem em casa a trabalhar nos livros...
Um abraço

LMC