Monday, July 06, 2009

PAQUETES BRASILEIROS

Os memoráveis Itas - Cia. Costeira
Texto atualizado em 30 de Junho de 2009 - 18h28

por Laire José Giraud * Mais um belo artigo do nosso Amigo Laire, a quem saudamos com amizade e consideração. LMC

Recentemente recebi um e-mail de um leitor de nome José Rocha Cavalcanti, no qual solicitava uma imagem de um navio da Cia. Nacional de Navegação Costeira, mais precisamente, o Itatiba. Eu disse a ele que infelizmente não tinha especificamente o navio solicitado, mas que enviaria um artigo que mostrava algumas dessas maravilhas, que foram os Itas, que muito contribuíram para o desenvolvimento do Brasil, no passado distante, onde era tudo difícil, e faltava de tudo, desde estradas, conhecimentos tecnológicos, e tudo mais que temos hoje em dia.

Assim, o único meio de transporte existente na ligação de Norte a Sul do Brasil era o navio. Navios de cargas e passageiros de outras companhias concorrentes participavam ativamente do que foi um grande e concorrido tráfego marítimo. As principais eram o Lloyde Brasileiro e o Lloyd Nacional, seguidas de outras menores mas eficientes como as valorosas Pereira Carneiro e Carl Hoepcke

Na verdade este artigo é uma reprise, mas acho válido aqui lembrar algumas coisas dos Itas, conforme o texto abaixo.

Quanto tinha aproximadamente 5 anos, no início da Década de 1950, duas músicas eram muito tocadas nas rádios.

Uma era Asa Branca, do grande Luiz Gonzaga, e a outra tinha a seguinte letra:

“Peguei um Ita no Norte e vim pro Rio morar
Adeus, meu pai, minha mãe
Adeus, Belém do Pará”.


O navio Itapuhy, da Companhia nacional de Navegação Costeira
(em imagem dos Anos 30 do acervo particular do comandante Carlos
Eugenio Dufriche, um dos Itas pequenos), deu origem ao presente artigo.

Na minha curiosidade de criança, queria saber o que era um Ita, a palavra mencionada na antiga canção de Dorival Caymmi.

Até que me dirigi a Dona Aura Maria, a minha mãe, e perguntei o que era um Ita. Ela, com um sorriso, respondeu que era um navio que ia para o Norte, e me dei por satisfeito.

Posteriormente, na casa do meu tio por afinidade, Gerson da Costa Fonseca, ouvi-o dizer a um parente que ia para o Rio de Janeiro a bordo do Itanagé na companhia da esposa Arlete.


Cartão-postal promocional da época do lançamento dos novos navios

da companhia Costeira, na linha Porto Alegre-Pará, em 1928. Esses

navios inspiraram a canção Peguei Um Ita No Norte. (Imagem do livro Navios e Portos do Brasil nos Cartões-Postais e Álbuns de Lembranças, d

e João Emílio Gerodetti e Carlos Cornejo, lançado em 2006)

Achei o nome do navio muito estranho. Para complicar ainda mais, esse parente disse que já havia vindo do Nordeste num outro Ita, o Itangé, e que era um navio bom de se viajar.

Foi a partir daquele momento que entendi que Ita era o nome de uma série de navios de passageiros, todos contendo o prefixo Ita e pertenciam à Companhia Nacional de Navegação Costeira, mais conhecida simplesmente por Costeira.

Confesso que nunca vi na minha vida um Ita, embora fossem navios muito famosos na navegação de cabotagem, do final do Século 19 até o início dos Anos 50.

A famosa nadadora brasileira

Maria Lenck foi para os Jogos

Olímpicos de Los Angeles em

1934 a bordo do Itapagé.

Vale lembrar que o nome de

Maria Lenck batiza o complexo

aquático onde foram realizadas

as provas de natação nos

Jogos Pan Americanos do Rio

2007. Foto: A Tribuna de Santos

A lembrança da Costeira e, por extensão, dos Itas se deve ao fato de recentemente ter recebido por e-mail uma belíssima imagem do amigo virtual Kelso Médici, do navio Itapuhy, pertencente ao acervo portuário do comandante Carlos Eugênio Dufriche, residente no Rio de Janeiro, já lembrado algumas vezes nesta coluna.

A imagem me deixou extasiado, pela raridade e originalidade, a ponto de mudar radicalmente o texto da matéria que estava a elaborar, me desviando para fazer este artigo.

No decorrer da minha vida - atingi a marca dos 60 - conheci muitas pessoas que já haviam viajado nos Itas, mas a minha curiosidade na juventude era direcionada para outras áreas e não para os navios.

O que foi uma pena, pois esse texto poderia estar recheado de mais informações da época em que os navios eram o principal meio de transporte entre o Norte e o Sul do País.

Ainda bem que existem acervos, que nos permitem trazer coisas e acontecimentos do passado para o presente.

Muitos fatos podem ser lembrados dos Itas, como o nascimento do ex-presidente da República, Itamar Franco a bordo de um desses navios, o transporte da delegação brasileira para os Jogos Olímpicos em Los Angeles a bordo do Itapagé em 1934 - uma das participantes foi a famosa nadadora Maria Lenck, falecida recentemente e que, em homenagem, se deu o nome dela ao complexo aquático onde foram realizadas as provas de natação dos Jogos Pan-Americanos deste ano de 2007, no Rio de Janeiro.

Uma outra curiosidade é que até 1920 os comandantes dos Itas eram de origem britânica, que comandavam navios impecáveis, todos com escalas rigorosamente cumpridas.

Em 1956, o Carl Hoepcke, navio muito conhecido na época, sofreu grande incêndio, na altura do litoral de Itanhaém, na costa do Estado de São Paulo, e os seus passageiros e tripulantes foram salvos pelo Itaquiatiá.

Vapor Itaúba, da Companhia Nacional de Navegação Costeira,

atracado no Cais do Armazém 6 da antiga Companhia Docas de

Santos, nos Anos 20. (Acervo Laire José Giraud)

Durante a Segunda Guerra Mundial, mais precisamente no dia 26 de setembro de 1943, o Itapagé, de 119 metros de comprimento, foi torpedeado pelo submarino alemão U-161, quando navegava na costa do Estado de Alagoas, indo ao fundo do mar em quatro minutos - dos seus 106 passageiros e tripulantes, 27 pereceram.

O meu pai, Laire Giraud, falecido em 1987, fez diversas viagens nos Itas entre os anos de 1935 e 1940, quando então cursava a Faculdade de Medicina, na antiga Capital Federal.

O motivo da preferência dele pela viagens marítimas era por ser mais fácil chegar ao Rio de Janeiro do que viajando por trem, pois havia necessidade de fazer baldeação em São Paulo para pegar uma outra composição férrea para a Capital Federal.


Cartão-postal do Ita pequeno Itajubá, que trouxe muitos migrantes

do Norte e Nordeste do Brasil para os estados de São Paulo e Rio de

Janeiro. (Imagem do livro Navios e Portos do Brasil nos Cartões-Postais

e Álbuns de Lembranças, de João Emílio Gerodetti e Carlos Cornejo,

lançado em 2006)

Já o prático Gerson da Costa Fonseca (hoje com 91 anos) lembra que o primeiro navio que manobrou na sua profissão foi o Itaquatiá, cuja atracação ocorreu em 1941, no cais do antigo Armazém 03 da Companhia Docas de Santos. Hoje a área pertence à estatal Codesp e fará parte do Complexo Marina do Porto de Santos, após cedido para a Prefeitura local pela empresa federal.

Já o falecido Arthur Cavalotte, que foi presidente do Grupo Deicmar, recordava, nas suas conversas sobre o tema, que os navios da Costeira costumavam atracar entre os Armazéns 3 e 5 e era comum ver, estivadas no convés, melancias trazidas do Sul do País para os mercados paulista e carioca. E que era uma bela visão ver aquele amontoado da deliciosa fruta.

Por outro lado, Jaime Caldas conta que os tripulantes dos Itas costumavam trazer papagaios do Norte para aqui serem vendidos. Os pássaros ficavam expostos na popa (ré) junto com passarinhos de várias raças.

Havia três tipos de Itas, os pequenos com 60 metros, os médios com 90 metros e os grandes com aproximadamente 120 metros de comprimento.

Carlos Alberto Piffer tem outra recordação da armadora. “Lembro-me da minha primeira viagem, com os meus pais, para São Sebastião, por volta de 1939. Partimos de Santos, no fim da tarde, a bordo do Itassucé. O jantar consistia de peru assado - um luxo para a época – e a mesa, os talheres e demais objetos eram impecáveis. A chegada a São Sebastião foi por volta da meia-noite. Mas uma das coisas mais marcantes da Costeira era o belo emblema em bronze na chaminé, uma cruz-de-malta, que chamava muita atenção sobre a pintura da chaminé, que era de um belíssimo preto fosco”.

Eis alguns Itas que deixaram os nomes gravados pelos portos por onde passaram: Itaité, Itaimbé, Itapagé (construídos na França), Itapé, Itaquicé e Itanagé, construídos na Escócia.

Entre os Itas pequenos ou médios faziam parte o Itaberá, Itagiba, Itapuhy, Itapura, Itaquara, Itassucê, Itatinga, Itaquatiá, Itaipu, Itaguassu, Itajubá, Itapema, Itapuca e Itaúba.

Anúncio da Costeira publicado no jornal A Tribuna em 28 de abril de

1938, indicando as saídas e destino de alguns navios da frota. Um

detalhe: o escritório da companhia ficava na Praça Barão do Rio Branco,

80, no Centro de Santos.

Vale lembrar que a companhia Costeira foi fundada em 1882 pelos descendentes de um armador português, que emigraram para o Brasil, e o nome inicial da empresa era Lage & Irmãos.

O dirigente dessa companhia que mais se destacou foi Henrique Lage, nascido em 14 de março de 1881 e falecido em 1941 em plena atividade, como chefe de várias empresas do Grupo Lage.

No livro Navios e Portos do Brasil nos Cartões-Postais e Álbuns de Lembranças, de autoria de João Emílio Gerodetti e Carlos Cornejo, os autores contam que, na Década de 1970, a maior parte da frota da Costeira aguardava demolição, abandonada em um cemitério de navios, na Baía de Guanabara.

Ali jaziam, lado a lado, como sucata enferrujada, muitos dos navios que tinham sido orgulho da marinha mercante nacional. Destino em glória, mas iniludível dos Itas, Aras e outras embarcações já muito esquecidas, amontoadas como ferro-velho e despedaçadas por serras e maçaricos. Naqueles cascos vazios encalhados no último porto, somente ressoavam os ecos da história, conforme registrou Jorge Audi, na reportagem: “Onde Morrem os Itas”, publicada na revista O Cruzeiro, em 5 de maio de 1971, gentilmente apresentada pelo colaborador da obra Sérgio Montineri.

Em 1966, os navios da Costeira, por motivos econômicos, foram incorporados à frota do Lloyd Brasileiro, onde navegaram com o famoso emblema da Costeira por alguns anos, até que fossem substituídos pelo da Companhia de Navegação Lloyd Brasileiro.

Fonte: Transatlânticos em Santos – 1901/2001, A Tribuna de Santos e Navios e Portos do Brasil nos Cartões-Postais e Álbuns de Lembranças.


* Laire José Giraud é despachante aduaneiro, colecionador de cartões-postais da Cidade e de transatlânticos antigos. Colaborador da Revista de Marinha de Portugal. Publicou cinco livros, como autor e co-autor, sobre temas da Santos antiga.

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