Friday, October 30, 2009

REFLEXÃO SOBRE OS NOSSOS PAQUETES


Porque razão os nossos belos paquetes do tipo 20 / 20 / 20 (cerca de 20.000 toneladas de arqueação bruta, 20 m de boca e 20 nós de velocidade), isto é os N/Ts INFANTE DOM HENRIQUE, PRÍNCIPE PERFEITO, SANTA MARIA e VERA CRUZ desapareceram há muito dos mares enquanto navios aparentemente semelhantes, da mesma geração, persistiram em navegar, transportar milhares de passageiros e durar cerca de 50 anos?
Fiz esta pergunta a mim próprio a bordo do SAGA ROSE na sua última escala em Lisboa a 27 de Outubro último.
Serão os portugueses incapazes de participar no negócio internacional de transporte marítimo?
Analisemos, por exemplo, os percursos do SAGAFJORD, actual SAGA ROSE e do nosso PRÍNCIPE PERFEITO, de dimensões semelhantes, apenas 4 anos mais antigo e que pertenceu à Companhia Nacional de Navegação, do Grupo CUF, empresa considerada mais dinâmica do que a sua rival Companhia Colonial de Navegação, armadora dos outros três navios portugueses referidos acima.
Para iniciar, duas grandes diferenças básicas:
1 - Armadores com culturas totalmente diversas, e uma distância de mentalidades e principalmente diferentes estádios de internacionalização, com a empresa portuguesa muito mais confortável a operar em mercados protegidos para o Ultramar;
2 - Diferentes tipos de propulsão, com o SAGAFJORD equipado com motores diesel Sulzer enquanto o PRÍNCIPE PERFEITO era um navio com turbinas a vapor, daí resultando muito maior consumo de combustível e maiores despesas operacionais, embora esta situação devesse ter sido minorada se, como aconteceu com o FUNCHAL, no caso do navio da CNN se tivesse procedido à sua remotorização com máquinas diesel.
A realidade é simples: o SAGAFJORD estava nas mãos de verdadeiros armadores que souberam investir no navio e acompanhar a evolução dos mercados em que este se inseria, acabando por o vender à Cunard em condições favoráveis. Já o PRÍNCIPE PERFEITO não teve a mesma sorte, a administração da CNN mostrou-se incapaz de acompanhar a transição dos mercados de linha regular para os cruzeiros, não investiu e vendeu-se o navio em 1976 por apenas 40 mil contos, sem quaisquer preocupações de fazer rentabilizar um investimento de 500 mil contos feito em 1961. Não se preservou o navio, perderam-se centenas de postos de trabalho e anulou-se uma boa oportunidade de entrada nos mercados de cruzeiros internacionais então emergentes.
Carregue aqui para mais informação sobre o PRÍNCIPE PERFEITO...
Fotos: Aspectos do paquete SAGA ROSE ex-SAGAFJORD de 1965
Texto e imagens /Text and images copyright L.M.Correia. For other posts and images, check our archive at the right column of the main page. Click on the photos to see them enlarged. Thanks for your visit and comments. Luís Miguel Correia

10 comments:

Rafael Silva said...

Chamemos então as coisas pelos nomes:

INCOMPETENCIA

IGNORANCIA

IRRESPONSAVEL

Caro Luis Miguel, porque não colocar o nome da pessoa no seu blog, a pessoa que vende oum navio por 41000 contos, bem abaixo do preço de sucata? Não será que essa pessoa não recebeu o restante por fora?

LUIS MIGUEL CORREIA said...

Caro Rafael,

O navio foi vendido em 1976 por USD 1.5 milhões. Valia cerca de USD 1 milhão se tivesse sido vendido para desmantelar na Formosa como foram em 1973 e 1974 6 dos nossos outros paquetes.
Não vale a pena por nomes porque, mais que alguns nomes, foi o sistema que levou a isto, a cultura de não arriscar, não inovar, não querer fazer. A sede da CNN na Rua do Comércio era tutelada por um Ministério e não havia grande liberdade de gestão, nem havia armadores, mas sim funcionários que iam recebendo os ordenados ao fim do mês sem muita maçada...
Foi esta receita que levou ao desaparecimento do PRÍNCIPE PERFEITO, de de muitas dezenas de outros navios, acabou com as companhias e com tudo. Restam alguns nostálgicos revoltados e inconformados como eu e você, por exemplo.
Se isto fosse um País com gente normal tinha sido fácil manter a navegar o INFANTE DOM HENRIQUE e o PRÍNCIPE PERFEITO para além de 1975-1976. Um dia conto como teria sido possível... Mas não foi assim, embora mais tarde o INFANTE tenha sido resgatado pelo Sr. Potamianos....

LUIS MIGUEL CORREIA said...

Rafael,

Resta acrescentar que para além dos funcionários as empresas eram geridas por comissários políticos, isto é gestores nomeados pelo Estado, gente que a maior parte das vezes não percebia nada de navios nem de navegação nem de transportes marítimos. Mais grave, alguns até se interessaram pelo sector, mas regra geral, quando começavam a saber distinguir a proa da popa, BB de EB, eram substituídos. Enfim, muita gente cinzenta igual à que hoje nos governa. A

INCOMPETÊNCIA

IGNORÂNCIA

IRRESPONSABILIDADE

há que acrescentar

ARROGÂNCIA

MEDIOCRIDADE.

Alguma solução para inverter este estado de coisas para além da tendência natural para emigrar?

Ricardo Ferreira said...

Caro Luís

É óbvio que não posso deixar de concordar com as suas palavras. Porém gostaria também de acrescentar o seguinte, estamos a falar de um período muito complexo em Portugal, em finais de 1973, da-se o chamado Choque Petrolífero, em Abril de 1974, veio uma Revolução que mudou, as politicas até então seguidas, bem como uma economia dirigida (Planos de Fomento) por novas formas económicas, que irão resultar precisamente no ano seguinte (1975) na inteira nacionalização do Sector da Navegação. As novas coordenadas politicas levaram consequentemente à "desmaritimizaçao" do País. Contudo na minha opinião, e voltando aos "Se" as coisas tivessem sido feitas e estruturadas de outra maneira, pois não acredito que o Principe Perfeito fosse vendido por uma bagatela. Até pelo que venho a estudar, a CNN era a empresa armadora nacional, mais diversificada em termos de navios de transporte, bem como no sector do transporte de passageiros. A sua dinâmica, foi severamente afectada, com a nacionalização e o seu desmembramento do Grupo económico do qual fazia parte. Passando a empresa para as mãos do Estado este fez o que quis e lhe apeteceu, verificando-se tanto no sector de passageiros como de cargas, vendas ridículas de navios praticamente novos, e de outros precisamente acabados de chegar de estaleiros estrangeiros, também esses vendidos por uma bagatela.

LUIS MIGUEL CORREIA said...

Ricardo Ferreira,

Infelizmente o seu raciocínio relativamente ao envolvimento do Grupo CUF na operação de navios de passageiros não foi tão linear como se depreende das suas palavras.
Foi exactamente o contrário, foi a entidade armadora mais empenhada em vender os navios de passageiros a todo o custo, processo que encetou em 1968, reduziu a capacidade de alojamento de dois dos seus maiores paquetes sem autorização oficial (JNMM)em 1970 e 1971 e quanto ao PRÍNCIPE PERFEITO, se é verdade que sem a capacidade financeira e económica da CUF este nunca teria sido construído, não é menos verdade que o processo que levou à sua encomenda foi contrariado pela CNN durante anos ao mesmo tempo que a frota nas linhas de África não conseguia responder às necessidades crescentes de transporte de passageiros na década de 1950.
A verdade é que as confusões que refere em 1974 e 1975 acabaram por ter o efeito de retardar a alienação do PRÍNCIPE PERFEITO, pois a vontade expressa de o abater já se manifestava pelo menos desde 1971.
A relação da CUF com os transportes marítimos é interessante, o grupo aparece como armador por necessidade própria de transportes e não como vocação independente, daí o seu dinamismo ter sido mais discutível que a imagem do Grupo nos leva a aceitar hoje. O que de facto desenvolveu durante alguns anos a Marinha de Comércio em Portugal foi a política de Américo Tomás e do Governo da época, mais que o espírito marítimo de armadores independentes que de facto nunca tivemos nem temos hoje...

LMC

Ricardo Ferreira said...

Caro Luís
Muito obrigado pela sua resposta, fiquei a conhecer novas informações que desconhecia relativamente aos navios de passageiros e ao Principe Perfeito. Realmente se pensarmos um pouco, tanto a SG, como mais tarde a CNN, serviam basicamente, escalas e portos onde o Grupo CUF tinha interesses comerciais seja em matérias-primas ou na exportação dos seus produtos, o restante lucro que viesse por acréscimo era bem vindo. Mas não deixava de ser interessante já nos anos 70 a enorme diversificação de navios para todos os tipos de transporte, tanto a granel (a partir da Transnavi) ou graneleiro (Cassinga da Transmineira) ou o aparecimento ods primeiros navios frigoríficos da sua associada a Transfrio.

Rafael Silva said...

Não resta dúvida que teremos de aceitar a nossa MEDIOCRIDADE. Temos de aceitar que por estrageiros deveremos ser governados.
E porque será que não existe um jornalista que investigue ao detalhe isto tudo? A corrupção que já vem de longe ainda hoje nos toca! Será que é mais importante saber quantos são infectado por gripe A todos os dias, em vez de sabermos um pouco da nossa história recente? Pelo menos podería demover algumas pessoas da actualidade de praticar os mesmos, ou actos semelhantes!

LUIS MIGUEL CORREIA said...

Ricardo,

As companhias SG e CNN participaram no processo de especializaçao dos navios de comércio que se iniciou em Portugal em 1947 com a constituição da SOPONATA. Mais tarde surgiram diversas empresas mais pequenas especificamente concebidas para determinados tráfegos. Assim a TRANSFRIO nasceu para fazer o transporte de peixe congelado da África Ocidental para Aveiro (teve dois navios), a TRANSFRUTA surgiu para assegurar o transporte de banna de Angola para Lisboa enquanto a TRANSNAVI foi constituída para transportar vinho a granel em pequenos navios-tanques para Angola. A Companhia Colonial de Navegação era também sócia da Soponata e Transnavi, junto com a SG e a CNN. A TRANSMINEIRA nunca passou do papel, o CASSINGA foi comprado pela CNN e integrou a frota desta empresa até 1985.

LUIS MIGUEL CORREIA said...

Rafael,

Este assunto dá para um livro. A corrupção tem muitas formas e tentáculos, e é protegida pelos seus interesses mais profundos.
Uma variante da corrupção é a ignorância, e há muita gente ignorante dos assuntos do mar com capacidades oficiais de decisão, com resultados nulos ou, pior, desastrosos.
Quanto ao jornalismo, não há grande jornalismo independente em Portugal, a informação é controlada por interesses económicos e são de facto os grandes grupos e interesses económicos que sobrepõem os seus interesses aos legitimos interesses politicos que supostamente governam o Mundo...

Ricardo Ferreira said...

Caro Luís

Para rematar este assunto, venho-lhe mais uma vez agradecer as suas informaçoes, esta é ainda uma área sob a qual me quero debruçar e estudar e por isso todas as informações são uteis. Mais uma vez um muito obrigado. E peço desculpa se pelo meio tenha dito algum disparate. Creio que todos nós que vimos a este excelente blogue, temos a comum, o gostar de navios, querermos saber mais sobre eles, bem como, nos preocupamos com o estado preocupante a que este país de vocação maritima chegou.

cumprimentos do
Ricardo