Na passada segunda-feira, dia 6 de Abril, uma chuva mansa e silenciosa trouxe do mar o mais mítico navio português da século XX. Regressou ao País quase anónimo, puxado por um rebocador espanhol que o resgatou das latitudes do Sul e de um tribunal que por arresto o leiloou em Aruba.
Diz quem sabe que ao partir, vendido, em 1975, levou as lágrimas de milhares de homens do mar e virou a última página da maior aventura portuguesa do século passado: a faina do bacalhau nos mares do Norte. Vestiu-se depois de madeiras que nunca tinha conhecido. Camarotes com casas de banho, que nunca houvera visto, bares e música para servir e animar nas Caraíbas os turistas maravilhados por este lugre de quatro mastros de novo baptizado como Polynesia.
Quando rumei à Gafanha da Nazaré, em Ílhavo, avisaram-me que iria encontrar um navio desfigurado, transformado profundamente pela sua segunda vida, talvez perdido e estragado para sempre. Regressei com a ideia contrária. Foi quem o pôs a navegar do outro lado do mundo que o salvou, mesmo que hoje pareça um destroço. Foi quem lhe deu destino, que sem intenção, preservou uma peça insusbstituível da história portuguesa que muitos desconhecem e alguns desprezam. Como não compreender quem advoga que a dimensão e a grandeza de um povo e de um país tem na sua essência o modo como vive e promove a sua cultura. Somos um país de uma riqueza marítima incomensurável, com um traço destintivo e identitário ligado ao oceano, caminho para construir um posicionamento de modernidade e de diferenciação. Somos a maior nação oceânica da Europa e uma das maiores do mundo. E somos também capazes de não saber o que fazer com isso. Utilizamos timidamente os recursos do mar e os nossos portos. Temos uma das mais baixas taxas de navegação de recreio da europa ocidental. Um país onde quem tem um barco, por mais pequeno que seja ou é rico ou é considerado como tal. Não temos nas nossas escolas básicas e secundárias disciplinas ou actividades que nos liguem ao mar. E até a ideia da nossa Expo 98 e dos seus Clubes do Mar, bem como todo o investimento que aí foi feito, desapareceu e não voltou a dar à costa. Dizemo-nos um país de marinheiros, mas não é verdade. Os portugueses não vão ao mar , vão à praia.
E é por isso, e por ser tão evidente que a economia do mar é a nossa maior oportunidade e vocação, que quase não se estranha que dois empresários, Aníbal Paião e João Vieira, donos da empresa Pascoal, desde sempre ligados à pesca e ao comércio do Bacalhau, tenham nas mesmas semanas em que amarguradamente discutíamos a crise e o eventual afastamento da selecção portuguesa da fase final do Mundial da África do Sul, rumaram ao Caribe e do seu bolso resgataram o Argus de todos nós. Talvez também não se saiba que estes mesmos empresários, no próximo mês de Outubro e após anos de luta e alguns milhões de euros de investimento privado, irão concretizar um outro sonho: colocar a navegar, totalmente recuperado o navio Santa Maria Manuela, navio gémeo do navio Creoula da Marinha Portuguesa, ambos construídos em Lisboa em 62 dias no ano de 1937. De repente Portugal, desanimado, distraído e desfocado, ganha uma frota única no mundo. Três veleiros de quatro mastros. E que são mais do que três navios. São a expressão de que nada acontece por acaso e que só com trabalho, visão e paixão, nos tornamos melhores e actuamos na nossa predestinação.
A meio do século passado alguns milhares de portugueses enfrentavam nos mares do Norte uma das mais difíceis jornadas de trabalho e de sobrevivência que a humanidade conheceu. Os verdadeiros super-homens não são os da Marvel ou de Hol- lywood. Foram os pescadores portugueses que pescando à linha e em pequenas embarcações de madeira, passavam seis meses sozinhos no meio do mar. Uma jornada tão dura que quem a fizesse ficava livre do serviço militar obrigatório e dos seus quatros anos de duração.
Somos, no entanto, já filhos de outro tempo e é por isso que a inspiração de homens como Anibal Paião e João Vieira nos podem fazer acreditar que afinal, a crise somos nós.
Naquele dia cinzento de Abril algumas centenas de pessoas e familias inteiras e bloguistas correram a Ílhavo para ver que o navio não era fantasma. A notícia correu célere . Ainda bem que não sou editor televisivo. Arriscar-me-ia a ter uma fraca audiência, abrindo as notícias com este navio chegado da bruma.
Diz quem sabe que ao partir, vendido, em 1975, levou as lágrimas de milhares de homens do mar e virou a última página da maior aventura portuguesa do século passado: a faina do bacalhau nos mares do Norte. Vestiu-se depois de madeiras que nunca tinha conhecido. Camarotes com casas de banho, que nunca houvera visto, bares e música para servir e animar nas Caraíbas os turistas maravilhados por este lugre de quatro mastros de novo baptizado como Polynesia.
Quando rumei à Gafanha da Nazaré, em Ílhavo, avisaram-me que iria encontrar um navio desfigurado, transformado profundamente pela sua segunda vida, talvez perdido e estragado para sempre. Regressei com a ideia contrária. Foi quem o pôs a navegar do outro lado do mundo que o salvou, mesmo que hoje pareça um destroço. Foi quem lhe deu destino, que sem intenção, preservou uma peça insusbstituível da história portuguesa que muitos desconhecem e alguns desprezam. Como não compreender quem advoga que a dimensão e a grandeza de um povo e de um país tem na sua essência o modo como vive e promove a sua cultura. Somos um país de uma riqueza marítima incomensurável, com um traço destintivo e identitário ligado ao oceano, caminho para construir um posicionamento de modernidade e de diferenciação. Somos a maior nação oceânica da Europa e uma das maiores do mundo. E somos também capazes de não saber o que fazer com isso. Utilizamos timidamente os recursos do mar e os nossos portos. Temos uma das mais baixas taxas de navegação de recreio da europa ocidental. Um país onde quem tem um barco, por mais pequeno que seja ou é rico ou é considerado como tal. Não temos nas nossas escolas básicas e secundárias disciplinas ou actividades que nos liguem ao mar. E até a ideia da nossa Expo 98 e dos seus Clubes do Mar, bem como todo o investimento que aí foi feito, desapareceu e não voltou a dar à costa. Dizemo-nos um país de marinheiros, mas não é verdade. Os portugueses não vão ao mar , vão à praia.
E é por isso, e por ser tão evidente que a economia do mar é a nossa maior oportunidade e vocação, que quase não se estranha que dois empresários, Aníbal Paião e João Vieira, donos da empresa Pascoal, desde sempre ligados à pesca e ao comércio do Bacalhau, tenham nas mesmas semanas em que amarguradamente discutíamos a crise e o eventual afastamento da selecção portuguesa da fase final do Mundial da África do Sul, rumaram ao Caribe e do seu bolso resgataram o Argus de todos nós. Talvez também não se saiba que estes mesmos empresários, no próximo mês de Outubro e após anos de luta e alguns milhões de euros de investimento privado, irão concretizar um outro sonho: colocar a navegar, totalmente recuperado o navio Santa Maria Manuela, navio gémeo do navio Creoula da Marinha Portuguesa, ambos construídos em Lisboa em 62 dias no ano de 1937. De repente Portugal, desanimado, distraído e desfocado, ganha uma frota única no mundo. Três veleiros de quatro mastros. E que são mais do que três navios. São a expressão de que nada acontece por acaso e que só com trabalho, visão e paixão, nos tornamos melhores e actuamos na nossa predestinação.
A meio do século passado alguns milhares de portugueses enfrentavam nos mares do Norte uma das mais difíceis jornadas de trabalho e de sobrevivência que a humanidade conheceu. Os verdadeiros super-homens não são os da Marvel ou de Hol- lywood. Foram os pescadores portugueses que pescando à linha e em pequenas embarcações de madeira, passavam seis meses sozinhos no meio do mar. Uma jornada tão dura que quem a fizesse ficava livre do serviço militar obrigatório e dos seus quatros anos de duração.
Somos, no entanto, já filhos de outro tempo e é por isso que a inspiração de homens como Anibal Paião e João Vieira nos podem fazer acreditar que afinal, a crise somos nós.
Naquele dia cinzento de Abril algumas centenas de pessoas e familias inteiras e bloguistas correram a Ílhavo para ver que o navio não era fantasma. A notícia correu célere . Ainda bem que não sou editor televisivo. Arriscar-me-ia a ter uma fraca audiência, abrindo as notícias com este navio chegado da bruma.
Texto de Abril de 2009. Fotografias de Agosto de 2010. Imagens / Images copyright L.M.Correia. For other posts and images, check our archive at the right column of the main page. Click on the photos to see them enlarged. Thanks for your visit and comments. Luís Miguel Correia
2 comments:
Caro amigo Luís Correia,quero aqui deixar um grande bem haja a quem teve a iniciativa de recuperar tais belezas,pois são navios que noutros países nunca de lá saíriam mesmo que não navegando;Fazem parte das memórias de muitos Portugueses, da história de Portugal e muito mais...
Parabéns aos Senhores empresários que a tal se propuseram.
Cordiais saudações marítimas
José Castro
Muito obrigado pela notícia.
Sobre estes navios, e com a devida vénia, passo-lhe um link que o blog «A voz da Abita» publicou: um documentário histórico, que - penso - complementará bem o seu «post»:
http://www.patricioclan.org/video/vids/flvplayer.swf?file=cod-fishing-1966-m-smmanuela.flv&autostart=true&fs=true
cumptos
António Godinho/amg
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